A fantasia foi o início de praticamente todas as realizações da civilização; grandes conquistas, descobrimentos, literatura, invenções, começaram na imaginação. O duro trabalho de realizar só produz seus melhores resultados se for antecipado pelo sonho, o projeto precede a obra.

As mais antigas obras literárias registradas no Ocidente, Ilíada e Odisseia, escritas por volta de VIII A.C., discorrem sobre uma grande guerra e a viagem de retorno de um de seus protagonistas à sua terra. Há indícios da existência da cidade de Troia, pesquisada por arqueólogos na região turca de Anatólia, e provavelmente essa cidade foi palco de uma ou mais guerras, mas o relato atribuído a Homero é fantasista e poético com personagens e acontecimentos sobre-humanos e divinos. E é uma das maiores realizações culturais da humanidade, inspirando autores ao longo dos séculos. Em destaque a necessidade profunda dos seres humanos de escapar, de viver novas realidades, de ter aventuras que extrapolem o cotidiano, de identificar-se com heróis, e nos dias atuais, libertar-se das amarras das regras do dia a dia, do caos no trânsito, das discórdias no trabalho, dos desentendimentos familiares. Na verdade, os acontecimentos diários, principalmente nos últimos anos, têm sido perturbadores, o que acelera a tendência escapista.

O entretenimento é uma válvula de escape, e tem sido utilizado como nunca para adentrarmos numa versão mágica do universo, onde tudo podemos e resolvemos, insatisfeitos com o que estamos vivendo, idealizando o passado e o próprio futuro, nos afastando por meio do mundo digital dos rigores cotidianos.

Se por um lado é saudável expandir a imaginação, sem alguma moderação tanto a literatura, quanto música, streaming, jogos eletrônicos, serão apenas meios de fuga. Um pouco de fantasia é necessária na vida de todos, descansar e ter distração mudam humores, afastam raiva e tristeza. O excesso de fantasia, no entanto, nos conduz à negatividade e comportamentos patológicos, como se fossem drogas das quais lançamos mãos para alterar nossas mentes, pão e circo distópicos que não nos permitem observar o que realmente estamos fazendo, destruindo o planeta e causando pobreza humana e extinção de espécies animais,

O que é denominado Wanderlust, palavraalemã (wandern: ‘caminhar’ + lust ‘desejo’; em português, “desejo de viajar”) é usualmente utilizado quando a vontade de sair do lugar de origem, explorar o mundo, ir em procura de algo novo, é irrefreável e constitui uma modalidade de busca quase religiosa. Este sentimento de uma forma ou de outra está sempre presente para definir algumas pessoas cujo desejo de fugir do dia-a-dia parece sobrepujar todo o bom senso de ganhar a vida, de exercer uma carreira e ter uma vida estável. Tem seu aspecto positivo como no recente caso do jovem que num velho carro e junto com seu cachorro estava percorrendo o mundo para olhar, conhecer e aprender; tem seu lado negativo naqueles que trabalham desvairadamente para ganharem mais, serem mais importantes e muitas vezes deixarem de viver uma vida plena em prol apenas de bens materiais.

Escapar de uma vida competitiva e sem sentido, procurando mais intensidade e objetivos não é o mesmo que o simples impulso de fugir do real, suprimindo emoções desagradáveis com utilização de meios químicos ou simples negacionismo.

A crescente aceitação social do negacionismo e desconsideração de argumentos racionais, desde questões como o criacionismo, terraplanismo, ataque às universidades e às ciências, até as ofensivas ao que é erroneamente chamado de ideologia de gênero, faz com que sejam rejeitadas as pesquisas científicas, os direitos das populações vulneráveis, comunidades indígenas, aumenta a violência contra mulheres e crianças, ao mesmo tempo que provoca o escapismo a uma sociedade desestruturada.  

Para escapar de uma vida medíocre, nada como um processo educacional de qualidade, garantindo uma vida plena tanto no plano pessoal quanto profissional.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.