Antes de entrar em campo, um jogador de futebol se prepara colocando seus óculos 3D. O jogo começa mas a cada drible seus pés não tocam a bola, simplesmente porque não há uma bola de verdade. Também não há faltas, contusões, nem risco de agressões físicas. Os torcedores acompanham o jogo em suas residências, através de uma transmissão ao vivo que lhes permite ver todos os ângulos. E o melhor: com a redução dos gastos envolvidos na produção deste evento, os ingressos são gratuitos.

Pode parecer cena de um filme, mas a realidade é que a descrição acima está mais próxima do que se imagina. Na verdade, a correlação entre participação online e atividades lúdicas já acontece há algum tempo. Segundo a pesquisadora Victoria Oliveira, especialista em cognição comportamental, atualmente podemos falar em uma hegemonia de jogos virtuais. Em Portugal, país onde os cassinos possuem adeptos fiéis, serviços online como o Portugal casino já atendem a uma demanda do público lusitano que se viu órfão de seu espaço de lazer durante a quarentena. 

Nos Estados Unidos, desde 2015, times de basquete, hóquei e futebol americano utilizam os serviços de realidade virtual da empresa StriVR Labs para treinar seus jogadores. O fundador da companhia, Derek Belch, pesquisou o uso de realidade virtual como ferramenta de treinamento para atletas durante seu mestrado. David Shaw, técnico do time de futebol da Universidade de Stanford, de quem Belch foi assistente, resolveu empregar a pesquisa na prática junto ao time da universidade, abrindo campo para o surgimento da companhia.

Em agosto deste ano, a NextVR, outra empresa de tecnologia 3D focada em transmissões ao vivo, conseguiu levantar um investimento de mais de R$ 80 milhões de dólares para criação e desenvolvimento de sua plataforma para esportes, que promete introduzir ao mundo esse tipo de experiência também para torcedores. Ainda este ano, a NextVR assinou um contrato com a produtora Live Nation e também com o canal Fox Sports para apresentar performances ao vivo em realidade virtual ao redor do mundo nos próximos cinco anos.

Uma diferença conceitual

Com a pandemia do Covid-19, a virtualização de atividades até então dependentes de execução ao vivo é um vertiginoso processo sem volta. Ao que tudo indica, aquele tipo de experiência que já era íntima para jogos de computador online se estenderá também ao campo do esporte. Experiências híbridas que conciliam jogos ao vivo com plataformas digitais de interação já são uma realidade, e mostram que os esportes no futuro poderão ter o mesmo destino. Contudo, os mais conservadores podem ainda se perguntar se é o jogo um esporte,  estabelecendo um paradigma que impede o segundo de adentrar a esfera virtual.

Por um lado, o jogo é uma atividade de caráter lúdico, cujas regras são estabelecidas por seus participantes. Já o esporte possui a competitividade e a busca pela vitória como premissas, além de regras preestabelecidas por instituições que regem suas modalidades: confederações, comitês e ligas desportivas. Entretanto, a linha entre um e outro é bastante tênue — o xadrez, por exemplo, que para muitos é um jogo, é reconhecido internacionalmente como esporte, através de suas associações e agremiações responsáveis.

 

Valores e segurança

Para além dos modelos conceituais, o custo envolvido nas atividades desportivas geralmente é superior quando comparados aos jogos. O aluguel de quadras, a manutenção de espaços de treinamento e o deslocamento dos envolvidos configuram um regime de funcionamento que tornam a prática esportiva cara. E, diante dos parâmetros de segurança que determinam o futuro das aglomerações no mundo pós-pandemia, ela pode jamais voltar a ser o que era.

Como uma série de outras atividades de socialização, os esportes no futuro passarão por uma mudança estrutural. E, nesse caso, sua aproximação com os jogos promete convertê-los em modelos híbridos, nos quais a mediação através de dispositivos tecnológicos será a grande responsável por garantir sua existência. 

Já podemos observar as múltiplas possibilidades que envolvem a tecnologia e os esportes, como mostra o caso da Copa Libertadores. O técnico argentino Martín Brignani, responsável pela direção do venezuelano Estudiantes de Mérida, levou o time à vitória sem sair de casa. De seu home office, Brignani foi capaz de orientar os jogadores durante o intervalo do jogo rumo a uma surpreendente virada no placar. 

O que o futuro nos aponta é menos a subtração de práticas e mais a multiplicação de possibilidades. Se o limite entre jogos e esportes já era tênue, o que veremos é a dissolução dessa fronteira e o surgimento de novas categorias mediadas pela tecnologia. Diante deste cenário, muitos torcedores que inicialmente torceriam o nariz para cenas como a descrita no início deste texto podem mudar de ideia. Talvez em alguns anos, após baixar os óculos 3D, este mesmo jogador irá dizer: “que experiência fenomenal de jogo eu acabei de ter!” mesmo que seus pés sequer tenham tocado a bola.