YAN BOECHAT MOSSUL, IRAQUE (FOLHAPRESS) – Menos de quatro meses depois de o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, declarar que o Iraque estava livre do Estado Islâmico, uma série de ataques da facção nos arredores de Mossul e Kirkuk (norte do país) mostra que os extremistas não foram de todo derrotados. Só em março, o grupo matou ao menos cem integrantes das forças de segurança. No ano, são mais de 200 vítimas. A estratégia atual é centrar fogo em alvos militares. Na última semana, o EI mirou áreas rurais, onde há pouca presença do Exército iraquiano e o controle de reconhecimento aéreo da coalizão internacional diminuiu. Diante dessa ofensiva, o premiê iraquiano reconheceu que a guerra contra a facção não terminou e prometeu enviar reforços ao norte. Em Mossul, segunda maior cidade iraquiana, os serviços de inteligência vêm ampliando os esforços para detectar células adormecidas. Prisões são frequentes, mas, como reconhece o general responsável pela operação militar no norte do Iraque, Nahim al-Jabouri, ainda existem milhares de integrantes do EI na cidade. Jabouri liderou a campanha que varreu o grupo de Mossul em julho de 2017 e agora tenta evitar a reversão do quadro nesse bastião sunita de um Iraque majoritariamente xiita. “As coisas são diferentes agora. As forças de segurança respeitam a população, o sectarismo já não é parte dessa realidade”, diz. Quem anda por Mossul tende a discordar. A cidade ainda está repleta de bandeiras xiitas, com imagens de nomes-chave da corrente majoritária ou elogios ao imã Ali. Muitos nativos se queixam da ostentação. Por outro lado, as acusações de tortura, assassinatos e extorsão por parte das forças de segurança, comuns no período que antecedeu a chegada do Estado Islâmico, têm sido raras. Mas a população continua a se sentir abandonada por Bagdá. PIOR EMPREGO Duraid Hazim Mohammed, 38, diz ter o pior emprego do mundo. Cabe a ele a tarefa de recolher os milhares de corpos ainda espalhados pelo lado oeste da cidade: “É trabalho de louco ficar catando pernas, braços, cabeças, mas alguém tem que fazer”. O que mais o incomoda é a falta de estrutura e os atrasos constantes no pagamento. Hazim e seus colegas estão há cinco meses sem receber seus salários na íntegra. Há poucos empregos em Mossul. O governo estima que precisará de US$ 2 bilhões (R$ 6,6 bilhões) só para livrar a cidade da pilha de destroços que a engolfa. Com metade da área urbana destruída, a demanda por moradia aumentou e a cotação dos aluguéis disparou. Agora, muitos precisam escolher entre viver em uma casa com até cinco ou seis outras famílias e permanecer nos campos de refugiados. Até agora, Mossul recebeu apenas US$ 250 mil (R$ 830 mil) do fundo criado para reconstruir os locais atingidos pela guerra contra o EI. “Sou militar, mas sei que a força não vai resolver a questão. Não resolveu antes. Tínhamos 30 mil homens aqui, e veja o que aconteceu”, diz Jabouri. Ele aponta empregos e melhoria na qualidade de vida como as melhores armas contra o Estado Islâmico. “O que essa cidade precisa é de fábricas, investimento, modernização da agricultura”, lista. Nas ruas abarrotadas do lado leste da cidade, poupado de ataques aéreos, há bazares por toda parte. Homens tomam as calçadas a fim de vender qualquer coisa. Na falta de emprego, o comércio tem sido a saída para muitos. “Pode contar para o seu país que nos abandonaram de novo”, diz um deles, que vende laranjas.