A pouco mais de um ano das eleições, governadores que querem ingressar no novo Regime de Recuperação Fiscal terão de empenhar seu capital político na aprovação de medidas amplas de ajuste. Enquanto Rio Grande do Sul e Goiás estão adiantados, Rio de Janeiro e Minas Gerais devem enfrentar resistências políticas em suas Assembleias. Nesses dois Estados, já se fala em buscar “atalhos” para que sejam aceitos no programa sem cumprir todo o roteiro do ajuste.

A tentativa de “abreviar” o percurso para acessar o socorro federal poderia blindar governadores e parlamentares do desgaste de aprovar, às vésperas de uma eleição, medidas impopulares como cortes em incentivos fiscais, extinção de benefícios para servidores e reformas na Previdência do funcionalismo estadual. Nos dois Estados com mais medidas pendentes, Rio e Minas, os governadores Claudio Castro (PL) e Romeu Zema (Novo), respectivamente, devem concorrer à reeleição.

Qualquer investida para flexibilizar as exigências do programa enfrenta forte oposição do Ministério da Economia e também é vista com maus olhos por Estados que têm, ao longo dos últimos anos, implementado duras medidas de contenção de gastos. O temor entre técnicos do governo federal é que a lei seja novamente driblada por liminares obtidas no Supremo Tribunal Federal (STF), em novo revés na tentativa de incentivar o ajuste dos Estados.

Rio, Minas, Rio Grande do Sul e Goiás precisam acessar o socorro porque a parcela da dívida com a União é muito grande em relação a seus orçamentos, pressionados por rombos na Previdência dos servidores. Eles hoje dependem de liminares judiciais para suspender o pagamento, o que pode ser revertido a qualquer momento.

O Rio foi o único a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), em 2017, mas a experiência revelou problemas do programa, o que levou a uma reformulação aprovada no início deste ano. A lógica de trocar o reescalonamento da dívida com a União por medidas de ajuste fiscal foi mantida, mas se buscou contornar falhas, como um longo período de alívio na dívida sem que o Estado fosse punido por descumprir medidas de ajuste previstas no plano de reequilíbrio.

Assim, as novas regras exigem que o Estado faça a adesão e, então, aprove o pacote de ajuste antes da homologação do plano, que deve ocorrer em até 180 dias a partir da habilitação inicial. O texto coloca como requisito a “implementação” das medidas, ou seja, não bastaria o envio de projetos de lei.

O prazo de seis meses para aprovar o ajuste é considerado exíguo por especialistas e políticos. Rio Grande do Sul e Goiás adotaram uma estratégia de antecipação e têm aprovado medidas desde 2019, com reformas na Previdência e no RH do funcionalismo estadual. Para esses Estados, a única medida que falta é a instituição de um teto para os gastos (que já existe em Goiás, mas precisa ser prorrogado).

Atrasos

Rio e Minas, porém, acumulam pendências. No Rio, falta aprovar mudanças nas regras da Previdência, extinguir benefícios do funcionalismo (como triênios, quinquênios, entre outros) e criar o teto de gastos. Minas, por sua vez, ainda não conseguiu sequer aprovar a lei que autoriza o Estado a aderir ao programa de socorro federal. Interlocutores do governo mineiro afirmam de forma reservada que o diálogo político tem sido “difícil”.

Deputados desses Estados afirmam ser possível “interpretar” a lei para que o plano seja homologado a partir do envio das propostas ou da aprovação parcial das medidas. O presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), André Ceciliano, pretende recorrer ao STF já na próxima semana.

Para o deputado estadual Luiz Paulo (Cidadania), não está claro que os Estados precisam aprovar mudanças na lei assegurando as ações de ajuste antes de homologar o plano. “É uma questão interpretativa”, afirma. Para ele, seria possível aprovar o plano com o Ministério da Economia e, posteriormente, aprovar as medidas no Legislativo.

Líder do governo na Assembleia de Minas Gerais (ALMG), o deputado Gustavo Valadares (PSDB) reconhece que as medidas exigidas são “espinhosas” e que, quanto mais próximo da eleição, mais difícil o convencimento dos parlamentares. “O governo não tem uma base política, então precisa elencar prioridades. A prioridade agora é aprovar a adesão ao regime, e aí vamos construindo o convencimento (para aprovar o ajuste) no dia a dia”, diz.

O ex-secretário estadual de Fazenda do Rio, Guilherme Mercês, acha o prazo apertado para qualquer Estado. “A dificuldade é como aprovar as medidas já num ambiente eleitoral. São reformas impopulares”, afirma.

O consultor Raul Velloso, especialista em contas públicas, duvida da aprovação de medidas de ajuste em praticamente todos os Estados, em parte porque o calendário eleitoral de 2022 foi mesmo antecipado. “Ou o governador é suficientemente forte e articulado, e aprova o que quiser ou é muito difícil, na maioria dos lugares”, afirma Velloso. Para ele, os Estados acabarão recorrendo ao STF.

No Rio, o processo de aprovação de medidas adicionais de ajuste, para além do que foi aprovado na primeira versão do RRF, pode trazer de volta o clima de “batalha” de 2017. A metáfora não é exagerada. A votação de algumas medidas, como a elevação da contribuição previdenciária dos servidores públicos, de 11% para 14% do salário bruto, se deu sob o barulho de bombas e o cheiro de gás lacrimogênio, enquanto a Polícia Militar (PM) tentava conter protesto de servidores. Mesmo assim, a proposta foi aprovada com folga. O quadro agora é diferente. Segundo o deputado estadual Luiz Paulo, a base parlamentar do governo é menor do que era em 2017 e o calendário eleitoral afetará as votações.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.