Desde os primeiros tempos do cristianismo o desejo por bens materiais foi condenado – “…de que vale uma pessoa ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?” (Marcos, 8:36) – algo que seria obstáculo à evolução espiritual. Diversas religiões e filosofias ocidentais e orientais tiveram, e têm, segmentos que praticam a pobreza e a mendicância, algo que teve aspectos “laicos” como por exemplo muitos hippies dos anos 1960 e 70; todos à sua maneira procurando viver com muito pouco, quase nada.

No oposto extremo, temos a ambição desmedida, a valorização apenas do “ter” em detrimento ao “ser”. Segundo Maquiavel “a natureza criou os homens capazes de desejar tudo e incapazes de conseguir tudo” e a ambição, boa serva e má senhora, tem sido nossa guia no mundo, e mais que isso, nossa feitora.

É ela que nos conduz ao trabalho excessivo, à escravidão ao dinheiro, ao egoísmo avassalador, causa guerras entre nações, conflitos entre vizinhos, torturas, violências. Entretanto, é também ela que nos leva a querer saber mais, a preservar patrimônios culturais, a cuidarmos melhor da saúde pessoal e da nossa comunidade; ambição se entrelaça com a ética, seja no plano individual ou organizacional, e deste inter-relacionamento depende muito de nosso futuro, pois interfere não apenas na distribuição de renda, mas também de água, alimentos e segurança para todos.

Por isso nos constituímos como uma sociedade profundamente desigual, composta por seres que tem carências brutais, necessidades básicas como comida, agasalho, remédios, ao lado daqueles que possuem muito mais do que podem usufruir, como em apartamentos contendo malas de dinheiro que não se conseguiria gastar ou torneiras de ouro.

Submetidos ao domínio da ganância, temos trabalhado demais, sem tempo de aproveitar a convivência familiar, os amigos e a própria natureza, competimos desenfreadamente no campo profissional, como se todo o dinheiro precisasse ser retirado de alguém: não ganhamos a vida, nós a subtraímos de outrem. Muito tempo atrás grandes problemas cardíacos eram quase exclusividade masculina, mas hoje mulheres disputam ferozmente cargos e privilégios, e o mundo do trabalho deixou se ser realização pessoal e alegria de exercer um trabalho de vocação para ser corrida de obstáculos onde precisamos vencer o inimigo, e ambos têm iguais doenças e ansiedades.

Em função disso, alguns adolescentes de muitos países tem recusado participar desta “corrida maluca” rumo ao dinheiro à qualquer preço, e tentado permanecer à parte da sociedade de consumo.

A propriedade material em exagero foi considerada como impedimento à plenitude em duas vertentes principais: a que teve São Francisco de Assis como símbolo e de certa forma desembocou em diversos socialismos, baseada na divisão do excedente com os necessitados; e aquela que valoriza o estoicismo e a renúncia como forma de evolução espiritual.

De modo geral, a escolha pela não ganância é um luxo de sociedades afluentes; pode-se tranquilamente dedicar a própria vida àquilo que traga maior “felicidade” ou realização em detrimento da riqueza material em países, ou famílias, em que as necessidades fundamentais de moradia, alimentação, saúde, segurança, estão garantidas e assim ficarão pela vida inteira. Neste caso, qualquer profissão ou atividade de trabalho terá retorno razoável, caso de alguns países nórdicos e poucos outros. Ressalte-se que não é o PIB do país o importante, e sim como este é dividido entre seus cidadãos, o caso dos Estados Unidos é emblemático: país mais rico da Terra, berço dos maiores milionários e ao mesmo tempo um dos mais violentos e injustos com uma parte de seu povo.  

Não é surpreendente que muitos adolescentes desejem “ficar deitados”, nome do atual movimento de recusa ao competitivo mundo do trabalho, à batalha insana por melhores salários, à briga diária por sobrepujar os demais e perder os bons momentos da vida.

Mostrar que a formação profissional e a verdadeira educação não se destinam à competição é um desafio dos professores, mas também de toda a sociedade.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.