Henry Milleo – Leandro Knopfholz: “ De um lado e de outro

Criador do Festival de Teatro de Curitiba, administrador de empresas formado pela Universidade Federal do Paraná, Leandro Knopfholz, de 46 anos, enfrenta o período mais adverso de sua carreira. A Parnaxx, empresa da qual é sócio majoritário, que detém as marcas Fringe, Guritiba, Gastronomix, Risorama, Mish Mash, Tudo Improviso e uma série de outras na prateleira, hoje tenta reduzir sua dependência do Festival de Curitiba, “sem diminuir o festival, mas aumentando as outras”, e retomar apoio do Poder Público que míngua dia após dia. As consequências da “falta de organização” dos governos, segundo Knopfholz, vão de problemas com patrocinadores, que “se viciaram” em leis de incentivo, a desafios para lidar com a polarização política. Ele admite que “os 65% de recursos” (empresas patrocinadoras), que viabilizam o Festival, se incomodam com manifestações políticas nas plateias. “Atrapalha o todo. A gente já chegou em três ou quatro patrocinadores privados que falaram ‘que chata a manifestação política’ (…) ‘Lula Livre’ ou ‘Bolsonaro Mito’, também acho chato”, diz. Ele conta que aprendeu a acender as luzes como forma de inibir a agitação política. “No claro as pessoas não são tão corajosas”, explica.

Apesar disso, Leandro Knopfholz afirma que nunca abriu mão da liberdade de expressão nos espetáculos, condição que considera base de sua personalidade. “Se o espetáculo chamar ‘Leandro, vá tomar no c*’ – você (jornalista) não vai colocar isso (risos) – eu não tenho o poder de dizer que esse espetáculo está fora. (…) Se o cara (patrocinador) falar ‘eu quero fazer o Risorama, mas como sou contra Bolsonaro, não quero Danilo Gentili’, ou Lula e Gustavo Mendes, só como exemplo, sou capaz de abrir mão do patrocínio”, garante.

Knopfholz é mestre em gestão de artes cênicas (Arts Menegement) pela City University, na Inglaterra, onde diz ter encontrado mentes o modelos que profissionalizaram seu trabalho 12 anos após já ter iniciado o Festival de Curitiba. Evitando falar em primeira pessoa, se refere sempre à empresa como responsável pelos feitos, Knopfholz atribui também a mentes curitibanas e condições locais a viabilidade do festival. “Se (o então prefeito) Jaime Lerner não tivesse oferecido acelerar a obra da Ópera de Arame para inaugurar a cobertura do primeiro Festival, a gente não teria acontecido”, lembra.

Judeu, “ligado muito mais à cultura judaica do que especificamente a ritos religiosos”, casado há seis anos, pai de um filho de 5 anos, Knopfholz afirma que já pensou em desistir do festival “um milhão de vezes”, mas que uma vez mais pensou em continuar. “O Festival demorou 15 anos para zerar as contas. Vim pedalando (pagando dívidas do ano vigente com receitas do ano posterior)”, conta.

Sua área de atuação, que “nunca foi fácil” de financiar, sofreu duros golpes nos últimos anos. Primeiro foi a gestão do prefeito Rafael Greca (DEM) que zerou, desde o primeiro mês de mandato, em 2017, os repasses municipais ao festival. No último ano de apoio, 2016, recebeu R$ 450 mil. Em seguida, cortes que já eram realizados pelo governo federal, em especial por meio da Petrobras, foram ampliados. A dependência de leis de incentivo à cultura, que é maior entre os grupos participantes do que do festival em si, também devem causar impacto na medida em que os contratos anteriores forem vencendo.

Com tantos obstáculos nas relações políticas, incluindo animosidade do governo Jair Bolsonaro com a classe artística, Leandro Knopfholz mantém uma postura isenta. Nunca atacou a prefeitura, por exemplo, e evita falar no assunto. “Esse embate não serve pra nada”, diz.

Ele já foi presidente da Fundação Cultural, entre 2006 e 2009, e lembra que sofreu ataques de grupos que viam “conflito de interesses” quanto ao fato de ele gerir a pasta enquanto sócio do festival, mesmo que licenciado, mas diz se orgulhar de sua atuação pública. “Vejo nos editais, que a Fundação está lançando agora, iniciativas que começaram na nossa gestão lá atrás”, afirma.

Bem Paraná – Como surgiu o festival?
Leandro Knopfholz – Hoje estou à frente dessa empresa que chama-se Parnaxx, de ativos criativos. Ela transforma ideias em valor. A empresa foi se moldando junto com a minha atividade profissional, não imaginei que ela seria assim e que chegasse ‘aqui’. O fazer alimentou a estrutura, a estrutura alimentou o fazer. Começou em 1991, uma ideia que tive na Federal, de fazer um festival de teatro, tenho amigos que se tornaram sócios.

BP – O Festival foi sua primeira produção?
Knopfholz – Foi o Festival de Teatro de Curitiba em 1992, começando a gestá-lo em 1991.

BP – Não havia uma empresa ainda?
Knopfholz – A empresa surgiu porque surgiram patrocinadores e eu precisava emitir uma nota fiscal (risos). Não era uma empresa que cheguei a imaginar que chegaria aos seus 29 anos.

BP – Como ela se chamava?
Knopfholz – “Nota fiscal” (risos). Brincadeira. Se chamava Festival. E com o tempo a década de 1990 foi de aprendizado. Trabalhei depois na Fundação Cultural de Curitiba e saindo da fundação fui agraciado com uma bolsa de estudos na Inglaterra e pude ter contato com outros profissionais que tinham atividade parecida comigo no mundo inteiro. E apenas naquele momento, portanto, 12 ou 13 anos depois que iniciei minha atividade comercial que percebi que aquilo era uma atividade que poderia ser padronizada.

BP – Você se inspirou em algum outro festival para adotar como modelo?
Knopfholz – Me lembro que a frase foi: “Curitiba deveria ter um festival de teatro assim como Gramado tem um festival de cinema”. Curitiba tinha salas, tinha público, mas não tinha oferta de espetáculos acontecendo no início da década de 1990. Várias coisas aconteceram nessa época. A empresa ganhou licitação para participar do festival de Joinville, por exemplo. Meu ex-sócio continua tocando lá. Ou seja, há mais de 20 anos essa mesma estrutura, mesmo que ramificada, está no Festival de Dança de Joinville. Em 1996, a gente começou a trabalhar com a Companhia de Dança Deborah Colker, fazendo vendas internacionais para seus espetáculos, que é uma coisa também absolutamente nova. Entre 2001 e 2004, fui para Fundação Cultural, acho que levando algumas ideias que o Poder Público não encampava até então e que até hoje perduram. Vejo nos editais que a Fundação está lançando agora foram iniciativas que começaram na nossa gestão lá atrás. Mas a sensação que eu tinha é que minhas ideias eram esparsas, “não embalável”. Meu curso na UFPR foi administração e era muito comum, pelo menos na época, o aluno ser preparado para tocar uma indústria, um comércio e não uma empresa de entretenimento.

BP – Você ia ao Teatro, era um consumidor de arte que uniu o que gostava com o projeto profissional?
Knopfholz – Eu gostava de assistir teatro. De arte em geral. Sim (uni), mas nunca imaginei na primeira edição que isso se tornar a atividade da minha vida. Tanto que o festival terminou em março de 1992 e eu fui passar um ano em Israel, um plano que eu tinha bem antes da iniciativa do Festival. Larguei a empresa nas mãos dos sócios e não sabia se haveria segundo festival. Quando vi que ocorreu o segundo, o terceiro e o quarto, percebi que “quase cheguei lá (rentável ou sustentável)”. O Festival demorou 15 anos para zerar as contas, por incrível que pareça. Vim pedalando. Mas percebi, assim, que se vendesse mais ingressos daria certo. Foi em 2007 (que zerei as contas). Mas eu sempre pensava “se aquele patrocinador tivesse saído, se aquele espetáculo tivesse entradas a mais, vendido mais ingressos”, etc. Sempre uma situação que era resolvida em um ano, mas não era resolvida em outro.

BP – Você atua como intermediário de patrocinadores com as companhias e grupos. É difícil de lidar com tantos grupos?
Knopfholz – É sempre com diálogo, com a verdade. Já emprestei dinheiro dos meus pais, já emprestei dinheiro de amigos, de banco, de próprio fornecedor que ficou pendurado durante um ano antes de receber. Já fiquei devendo para companhia. A gente hierarquiza. Quem é que menos pode esperar?

BP – Quanto vale o Festival de Teatro hoje? Qual é o ‘passe’ do festival?
Knopfholz – Não tenho ideia. Nunca fiz esse valuation (Avaliação de Empresas). Não vou mentir que não é uma coisa que eu não pense enquanto tomo banho, fico pensando “olha, quando eu for parar, qual meu patrimônio hoje?”, apesar de ser menos mensurável do que achava antes de ir para a Inglaterra. Lá percebi que existiam mercados sustentáveis dentro dessa cadeia. Um show de música, por exemplo, com a cambalhota que o entretenimento deu (em razão da mudança no consumo de música causada pela tecnologia) cada vez mais a relação ao vivo com o artista passou a valer mais (artistas ganham com shows e não com discos ou CDS). O entretenimento ao vivo passou a ser o cerne da atividade. Nas artes cênicas é um pouco mais complicado, especialmente no Brasil. O mercado de música sertaneja é um que se resolve na bilheteria. Gastronomia, música eletrônica, mercado editorial se resolve na venda de livros. O mercado de artes cênicas, infelizmente, não se resolve na venda de ingressos. Ele depende do patrocínio.

BP – Como você capitalizou o festival sem perder a essência da arte, sem “industrializar” a cultura?
Knopfholz – O mercado das artes cênicas começou a se respaldar muito no patrocínio, que por sua vez se respaldou muito nas leis de incetivo. Isso fez com que as empresas se “viciassem” nesse modelo. Elas só patrocinam se for incentivado. O Rock n Rio, por exemplo, já foi incentivado, mas hoje não é mais. Mas ele é um bom negócio. As empresas vão lá e patrocinam. O Festival de Teatro depende 20% de receitas próprias (bilheteria) e 80% de receita de patrocínio. Desses, 65% são via lei de incentivo.

BP – Sem considerar os grupos que tem seus próprios projetos baseados em leis de incentivo?
Knopfholz – Exatamente. Isso é o custo para trazer o espetáculo. Provavelmente o espetáculo que estamos contratando também dependeu da lei de incentivo na outra ponta, para existir. As leis são oscilantes. A Lei Rouanet nasceu em 1993 e era para viger por 10 anos. A ideia era acostumar as empresas a patrocinar e depois de 10 anos elas não precisariam mais de incentivo fiscal. Aconteceu o contrário. Elas se viciaram nisso. Em 2003, o governo foi lá e renovou por mais 10 anos, com o mesmo discurso, de as empresas se acostumarem e depois disso “a gente desmama”, entre aspas. Em 2013, foi feita uma pressão e ela foi assinada para viger para sempre. A lei surgiu como incentivo ao mercado, ao negócio. Ela tem duas ferramentas, o mecenato e o fundo. O fundo incentivaria a pesquisa e a arte que não visa o mercado e o mecenato visaria o patrocínio, a visibilidade, a projeção. De 2003 até hoje começou-se a tentar mudar a lei, em vez de criar uma nova, por meio de instruções normativas. Foram mudando mecanismos da lei e foi virando um grande Frankenstein. A lei nasceu para o mercado. Não nasceu para a área social. Então, voltando à pergunta, acho que nossos ativos valem muito, mas por causa dessa oscilação que vale para Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro, ficou instável. A instrução normativa vale a partir da assinatura. A reforma da previdência, sem juízo de valor, se gosta ou não, mas ela tem uma regra de transição, permite que as pessoas se programem. A instrução normativa, todas as que foram editadas, assinou, mudou. Então, por causa dessa precariedade na base que sustenta eu não sei dizer o valor que a gente tem pro mercado. Sei que nossos ativos são valiosos. A gente tem o Festival de Teatro, o Fringe, o Guritiba, o Gastronomix, o Risorama, o Mish Mash, Tudo Improviso e uma série de outras na prateleira.

BP – Patrocinadores interferem ideologicamente do Festival?
Knopfholz – Para que o comércio não invada a programação artística, acho que isso é um aprendizado adquirido em quase 30 anos, que a gente aqui preserva. A curadoria da mostra do Festival de Teatro tem a liberdade total de escolher os espetáculos dentro de um discurso específico.

BP – Quais são os critérios, por exemplo?
Knopfholz – Nos últimos anos tivemos, por exemplo, os ‘limites do corpo’.

BP – Por causa da polêmica envolvendo o espetáculo Macaquinhos (polemizado a partir de apresentação em São Paulo, em que foi exposta a exploração do ânus entre os atores)?
Knopfholz – Não, pelo menos assim eu não entendo. Limites do corpo é, por exemplo, um espetáculo que a gente trouxe de um cidadão portador de paralisia cerebral, com cadeira de rodas, atores idosos. Como esse ator se movimenta no palco, memoriza um texto? A gente trouxe espetáculos que tem a ver com diversidade de linguagem. E essa discussão não passa na venda de patrocínio. A nossa postura faz também com que o patrocinador não invada. A gente não tem nenhum tipo de restrição ideológica, política e de linguagem.

BP – A curadoria tem critério próprio relacionado à política, por exemplo?
Knopfholz – Eles, pessoa física, evidentemente têm, posições pessoais. O Festival não pretende ter. A gente gosta sempre de contrapontos. Se trouxe uma coisa radical de um lado, traz uma coisa radical de outro. A gente não quer se posicionar. A gente quer um festival para todos. Pense vermelho, pense azul, pense alto, pense baixo. É um festival para todos. E isso é um pouco do reflexo desta casa, da nossa empresa. No limite do individualismo, pode tudo aqui e a gente convive muito bem com diferenças.

BP – Na Inglaterra, após conhecer pessoas e modelos, você encontrou mentes também em Curitiba responsáveis por algum fator do modelo adotado por você? Você considere Curitiba um terreno fértil para isso?
Knopfholz – Se (ex-prefeito) Jaime Lerner não tivesse oferecido acelerar a obra da Ópera de Arame para inaugurar a cobertura do primeiro festival a gente não teria acontecido. Foi preciso ter uma mente como o cara. Se Sergio Reis, então diretor de marketing do Bamerindus, não tivesse acreditado na ideia. Hoje se fala muito em “inovação”, apostar no novo, na gurizada. No tempo em que não era moda e não se falava esses caras foram lá e apostaram na gurizada. Eu tinha 17 para 18 anos. O nosso mais velho tinha 26 anos. Hoje, aqui, a gente tem essa gurizada. Eu, com 46 anos, de certa forma começo a calcificar. Faço um esforço enorme para não ser esse Jurássico desclassificado. Eu preciso me alimentar muito do que vem do novo. O exemplo que tive lá atrás me alimenta para fazer isso (apostar na juventude).

BP – Você só trabalhou e trabalha com a Parnaxx?
Knopfholz – Empreendi em outras áreas. Sou sócio de uma cervejaria local, chama-se Way Beer, sou sócio de um bar chamado Quintal do Monge, sócio de uma produtora de cinema no Rio de Janeiro e por aí vai.

BP – Sempre ligado ao entretenimento, arte e lazer?
Knopfholz – O deus do álcool é o mesmo deus do teatro. Para os gregos é Dionísio, para romanos é Baco. Então, eu ajoelho para a mesma santidade nesse caso. Mas o que eu gosto mesmo é de ideias.

BP – Os patrocínios da Petrobras que foram bastantes importantes. Um corte do governo comprometeu diversos festivais, eventos e grupos no País. Qual é o impacto disso e o planejamento para o festival?
Knopfholz – A gente não tem o patrocínio da Petrobras há dois anos. Algumas companhias que trabalham com a gente têm, tinham. Sem dúvida isso vai impactar. Pelo que sei estão cumprindo os contratos e não estão renovando. O festival teve nos últimos anos uma média de 400 espetáculos. Não acho que a gente vai ter menos espetáculos por causa da Petrobras. A grande maioria dos espetáculos está no Fringe e esses já não contam com patrocínio da Petrobras. Os espetáculos que eram patrocinados pela Petrobras são de companhias mais estáveis convidadas para a Mostra, que tem em média 30 espetáculos. Ainda não é o caso de algum espetáculo deixar de acontecer. Os contratos ainda vão vencer. O contrato com o grupo Corpo ainda vige, Armazém ainda vige e Deborah Colker ainda vige. Vão deixar de viger na metade de 2020. Aí, sim, haverá um impacto maior.

BP – A prefeitura de Curitiba também retirou seu patrocínio nos últimos 3 anos. Qual o impacto disso? A prefeitura ainda “usufrui” do festival de alguma forma?
Knopfholz – Representa 10% do valor do Festival. Veja, a gente faz o Festival “de Curitiba”, que tem mais de 10% do público que vem de fora da cidade, então tem impacto pro turismo comprovado em estatística que vem da própria Secretaria de Turismo. Afirmou inclusivo em evento do Sebrae que é o evento (o festival) que mais traz turistas para a cidade. Recebo sempre essa notícia do “não” com certa indignação.

BP – Todo ano tem uma renegociação?
Knopfholz – Todo ano eu tento uma renegociação, como neste ano estou tentando e vamos ver se a administração pública é sensibilizada pelos meus argumentos.

BP – Para você, por que a prefeitura cortou o repasse?
Knopfholz – O argumento deles para cortar é impublicável (risos). Eles é que devem responder isso.

BP – Com tantas dificuldades hoje, em razão do contexto político e econômico do país, você vê com os mesmos olhos o mercado das artes cênicas que via quando começou?
Knopfholz – O contexto é absolutamente outro. A gente tem um desafio diário aqui. Quando a gente começou a fazer o Festival em 1991, conseguir o telefone de alguém (político) era uma comemoração, deixar um recado numa secretária eletrônica (era uma comemoração). Lembro que uma vez liguei para (Antonio) Fagundes, estava falando com a secretária eletrônica e de repente ele atendeu. Eu não sabia nem o que falar porque estava preparado para deixar um recado na secretária. Nossa aquisição maior em 1991 foi uma máquina de fax. Hoje o desafio é expandir o festival para uma plataforma para o Brasil e o mundo. O que acontece aqui tem que reverberar fora, através de streaming, de notícia, de conteúdo gerado, de relacionamento, de possibilidades de encontros. Nesse contexto, vejo um mundo inteiro pronto para ser desbravado. É um desafio enorme conciliar o recurso do patrocinador com a entrega necessária. O primeiro espetáculo teve 12 espetáculos de teatro e dois de rua. Hoje acho que é o maior da América Latina. Temos dados que mostram que é o maior, seja com apresentações públicas, privadas, atrações. Duração não sei dizer. Tem uma associação internacional de festivais que ranqueia os festivais.

BP – Você já pensou em desistir?
Knopfholz – Um milhão de vezes. Só que pensei um milhão e uma vez em continuar.

BP – O festival, como você disse, se pagou pela primeira vez em 2007. Como está hoje?
Knopfholz – Está bem. Hoje, a Parnaxx, que é a empresa que detém os ativos todos, incluindo o Festival, que trazem contribuição para a empresa. Emprega 22 pessoas. O Festival tem uma importância enorme na Parnaxx. É uma intenção nossa diminuir essa dependência, sem diminuir o festival, mas aumentando os outros.

BP – Você atua politicamente? Você já foi filiado a algum partido?
Knopfholz – Político-partidário, não. A gente conversa com todas as cores. Não fui (filiado a partido), não sou e nunca serei. Minhas convicções ideológicas são muito simples, que é ‘o cidadão tem que ser maior que o Estado e o Estado tem que só organizar e não atrapalhar’.

BP – Direita ou esquerda, já que hoje quase todos são taxados?
Knopfholz – Não me enquadro em lugar nenhum. Me vejo um liberal na área econômica, mas também um liberal nos costumes. Aí ninguém me representa, porque quem é liberal na economia é conservador no costume e vice-versa. Então, na política ninguém me representa hoje. Para mim, libera tudo. Casamento, todo mundo pode casar, quem quiser, enfim. O indivíduo, na minha opinião, é responsável por si. Se ele não atrapalhar o outro que faça o que quiser. Claro, que se ‘atrapalhar’ o outro tem que ter um organizador disso que é o Estado.

BP – Como você vê os recentes embates entre agentes público e políticos, como o recente em que o diretor da Funarte (Roberto Alvim) xingou Fernanda Montenegro, 90 (de ‘sórdida’ e ‘mentirosa’)?
Knopfholz – Eu acho que atrapalha o todo. Sem nenhum viés político-partidário (da minha parte). Foi comum ver no festival nos últimos anos quando apagam a luz (do teatro) vem “Lula Livre” ou alguma coisa assim. A gente já chegou em três ou quatro patrocinadores privados que falaram “que chata a manifestação política”. Não estou falando que é chata em si, talvez se o cara tivesse gritado “viva Bolsonaro” também seria chato, eu também acho chato. Quanto eu trabalhava na Fundação Cultural, a gente fez a Oficina de Música, e o (então prefeito) Jaime Lerner foi fazer um discurso e as pessoas vaiaram Jaime. A sala estava escura. Depois disso, aprendi que você não deixa a sala escura. No escuro as pessoas ficam corajosas, já no claro já não são tanto assim. Eu acho, quando você vai a uma sala de teatro assistir a um espetáculo para você e não para os outros que não é o lugar de uma manifestação anônima dessas. Não acontece no cinema, não acontece no restaurante. Pelas manifestações do mercado, incomoda, sim, os nossos 65% de recursos que estão sendo incomodados com essas manifestações. De um lado e de outro, acho que “Lula Livre” incomoda assim como “Bolsonaro Mito”.

BP – Vocês impõem alguma limitação política aos grupos?
Knopfholz – Não, de maneira nenhuma. As gente faz o Fringe, que tem duas restrições. Uma é que 80% dos participantes têm que ter registro profissional, num acordo que a gente fez com o sindicato, e a outra é que a gente não quer proselitismo religioso. Se o espetáculo chamar-se “Leandro, vá tomar no cu”, você não vai colocar isso, eu não tenho o poder de dizer que esse espetáculo está fora. Se ele quer falar isso, tem que ter a liberdade.

BP – Como o espetáculo “Pornô Gospel” (que é independente), por exemplo, que já causou polêmica por causa do nome?
Knopfholz – Na minha opinião, tem que ter a liberdade. Tanto que a gente fez questão, a gente pegou três caras que haviam sido censurados e montou o espetáculo. O (performer) Wagner Shvartz, que foi aquela história do museu (de Arte Moderna de São Paulo em 2017, em que o artista foi atacado nas redes sociais por sua performance ‘La Bête’ em que o público poderia tocá-lo nu), o Menino da Bolha em Brasília, e a Transexual (Renata) no Interior de São Paulo, do “O evangelho segundo Jesus, rainha do céu”, que os três tiveram seus espetáculos censurados. Numa iniciativa nossa, a gente falou ‘vamos chamar os três e dizer façam o espetáculo’. A gente não disse nada, só ‘façam o espetáculo’. Sabe o que eles fizeram? A gente acho superinteligente, super sutil. Eles pegaram um retrato da Monalisa e cada um dos três entrou lá e disse o que entendia daquele retrato como uma manifestação de liberdade de opinião. Se a gente tem alguma função política, acho que é essa (dar liberdade). Houve censura e eu achei errado. O que o Festival deveria fazer? Era dar oportunidade para que eles falassem o que eles pensavam. Funcionou e representa muito do que a gente pensa (sobre liberdade).