BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um decreto assinado pelo presidente interino, Hamilton Mourão, alterou regras de aplicação da LAI (Lei de Acesso à Informação) e permitiu que ocupantes de cargos comissionados da gestão possam classificar dados do governo federal como informações ultrassecretas e secretas -aquelas com grau máximo de sigilo, de 25 anos e 15 anos, respectivamente.

Antes do texto da gestão de Jair Bolsonaro, publicado na edição do Diário Oficial da União desta quinta (24), a classificação para tornar protegidas informações por 25 anos só poderia ser feita por presidente, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior. Com isso, 251 pessoas estavam autorizadas.

Agora, a medida poderá ser tomada por assessores comissionados do Grupo-DAS de nível 101.6 ou superior, entre os mais elevados do Executivo. Podem ocupar esse cargo servidores públicos ou não, que exercem funções de direção ou assessoramento superior, com remuneração mensal de R$ 16.944,90. O número de pessoas que podem decidir sobre as informações ultrassecretas passa de 251 para 449.

Além desses, as autoridades também podem delegar a dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista a fazerem essa classificação dos documentos da esfera federal.

Representantes de entidades que militam pela transparência na administração pública criticaram as mudanças.

O PSOL afirmou que entrará no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pedindo a nulidade do decreto.

Inicialmente, a Casa Civil chegou a dizer que a medida restringia os agentes públicos que poderiam fazer as classificações. Depois, técnicos da pasta disseram que ela visa melhor adequação da LAI.

Eles alegam que a legislação falava na possibilidade de ministros poderem delegar essas funções a subordinados, mas que isso não era permitido pelo decreto anterior.

A Casa Civil nega que haja diminuição de transparência e diz que a medida visa tornar menos burocrático o trabalho.

O novo texto permite ainda que tais autoridades deleguem a competência para que comissionados façam a classificação de informações consideradas de grau secreto, cujo prazo de sigilo é de 15 anos.

Para este caso, ocupantes de cargos comissionados de nível DAS 101.5, com remuneração de R$ 13.623,39, podem ser delegados a fazer a classificação, mas ficam proibidos de subdelegar a função a outras pessoas. Há 901 cargos desse tipo no governo.

Segundo a assessoria da Presidência da República, o decreto já estava previsto nas ações que deveriam ser assinadas por Jair Bolsonaro, que estava em viagem a Davos (Suíça), para participar do Fórum Econômico Mundial.

O ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência da República Mauro Menezes, que ocupou a função de 2016 a 2018, classificou a alteração como “deplorável”. “O sistema de transparência pública sofre um golpe duro com essa ampliação indiscriminada dos agentes capazes de impor sigilo a dados públicos.”

Diretor-executivo da Transparência Brasil, que monitora ações do poder público, o economista Manoel Galdino diz que a mudança pode representar um retrocesso na publicidade de atos do governo.

Ele integra o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da Controladoria-Geral da União, responsável por discutir esse tipo de mudança. Segundo Galdino, o colegiado não foi consultado. “Pegou de surpresa”, afirma.

Para a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), o novo decreto é “bastante prejudicial”. A gerente-executiva da entidade, Marina Atoji, avalia que, ao limitar o número de autoridades capazes de classificar informações como ultrassecretas, a versão anterior do decreto assegurava, de alguma forma, que o sigilo seria usado de forma mais pontual.

O decreto assinado por Mourão alterou outro assinado em 2012, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Para Mônica Sapucaia Machado, professora do IDP-SP (Instituto Brasiliense de Direito Público), a mudança subverte o espírito da lei. “Parece um contrassenso no combate à corrupção”, diz.

Gestões de diferentes partidos já recorreram ao sigilo para tornar documentos inacessíveis em governos passados.

Em outubro de 2015, como revelou a Folha de S.Paulo na ocasião, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) tornou sigilosos por 25 anos centenas de documentos do transporte público metropolitano de São Paulo. No ano seguinte, voltou atrás e decidiu retirar os sigilos prévios, passando a avaliar a liberação caso a caso.

Em 2015, a gestão do então prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) recorreu ao carimbo de secreto para decretar o sigilo de dados relativos à Guarda Civil Metropolitana, incluindo imagens de câmeras de monitoramento. Meses depois, Haddad reverteu parcialmente a medida.