Henry Milleo – Glauco Solter: músico “tem que cavar na pedra”

Um dos baixistas mais renomados do País, Glauco Solter já foi deportado de Londres, tocou e vendeu CDs nas ruas de Paris e se apresentou em todo o Brasil e em várias partes do mundo. Cascavelense radicado em Curitiba desde os 3 anos de idade, já se apresentou ao lado de alguns dos maiores músicos brasileiros, como João Bosco, João Donato e de lendas do jazz mundial, como o norte-americano Ron Carter, além de ser parceiro de instrumentistas como Raul de Souza e Arismar do Espírito Santo. 

Com a experiência de quem vive de sua arte há mais de três décadas, aprendeu a duras penas que para viver de música é preciso diversificar suas frentes de atuação. Não por acaso, além de músico, ele já atuou como arranjador, compositor, professor, produtor, diretor musical, apresentador de rádio e acumula a impressionante marca de quinze projetos ou grupos diferentes. E agora inaugura uma nova frente, como escritor, lançando o livro “Levadas Brasileiras”, durante a 37ª Oficina de Música de Curitiba, na próxima quarta-feira (22), na PUC/PR, onde conta a história do contrabaixo na música do País. Em entrevista ao Bem Paraná, Glauco conta como enveredou por esse caminho, relata as agruras e desafios que enfrentou na estrada e explica como a arte pode ser um instrumento de mudança e de promoção de valores humanistas.

Bem Paraná  Você nasceu em Cascavel e veio para Curitiba com que idade?

Glauco Solter – Vim com três para quatro anos de idade, muito cedo.

BP – Então você é praticamente curitibano?

Glauco – Praticamente curitibano.

BP – E seus pais nasceram aonde?

Glauco – Meu pai é alemão de Hanover. Minha mãe é curitibana. Meu pai veio para o Brasil com cinco anos de idade, após a guerra. Então também é alemão, mas brasileiro.

BP – E tinha alguém na família que era músico, que foi inspiração para você?

Glauco – Na minha família de meu pai todo mundo tinha que aprender música. Meu pai era o único dos irmãos que não conseguiu tocar nada. Acho que uma das frustrações dele foi que ele não se deu bem com música. Acho que eu vim depois compensar um pouco. Eu trabalhar com música para ele foi uma alegria. Talvez por isso ele tenha me apoiado muito. A família acaba sendo muito importante. Quando o cara decide ser músico é aquela tragédia. Dentre os irmãos tinha a minha tia que era professora de piano. Eu tenho primos distantes do meu pai na Alemanha que é trompetista, mas de música sacra. Mas eu não conheço. Mas não tem músico na família.

BP – Então não rolou aquela pressão para que você tivesse uma profissão estável?

Glauco – Teve um momento. Porque eu fazia escola técnica, eletrônica. E foi no Cefet que eu comecei a ter contato com os instrumentos, lá tinha o coral, eu era amigo do baixista do coral. Eu já tocava um pouquinho de piano. Mas eu comecei a tomar bomba nas matérias de eletrônica. Um dia o professor fez uma piada sobre diodo e eu não entendi. Eu já estava gostando muito de música. Começando a ensaiar com os amigos na igreja presbiteriana na (rua) Comendador Araújo, em frente à Sociedade Thalia. Ensaiava aos sábados. Então eu cheguei para o meu pai em um determinado momento. Acho que eu já tinha decidido que ia ser músico. ‘Pai, eu preciso de um tempo. Vou sair da técnica e vou para o 2º grau normal’. Já quando eu fui para o Positivo no ano seguinte já comecei a trabalhar com música.

BP – Você tinha que idade?

Glauco – Tinha 16 para 17. Foram os meus primeiros cachês. Eu tive sorte. Eu peguei uma banda chamada CWB. Ela tocava semanalmente, três, quatro vezes por semana. Já cheguei trabalhando bastante. Uma banda meio cover, meio baile. Tinha umas 40, 50 músicas para pegar por final de semana.

BP – Voltando um pouco, qual foi o estalo que te levou para a música?

Glauco – O baixo meio que caiu no meu colo. Eu gostava de música. Meus pais escutavam muita música em casa, jazz, Beatles, música brasileira, tudo. Eu sempre fui muito vítima da música. Mais apaixonado pela música do que qualquer coisa. E aí eu senti aquilo. Não imaginava como uma profissão. Mais tarde aquilo foi se desenhando. Mas quando eu comecei a tocar e senti a resposta que as pessoas estavam começando a gostar do que eu estava fazendo. Era uma péssima banda, todo mundo estava começando, uma banda de rock, minha primeira banda. Mas as pessoas chegavam para mim: ‘pô, você leva jeito’. Aí eu comecei a pensar nessa possibilidade. Não me agradava aquela história de fazer vestibular e seguir o caminho de uma manada. Fazer faculdade para ganhar dinheiro. Uma profissão que dê estabilidade financeira, então você não vai pela aptidão de gostar da coisa. Eu comecei a gostar da música. Não fui nem fazer vestibular.

BP – Você chegou a fazer faculdade de música?

Glauco – Não. Eu fechei o 2º grau e já estava trabalhando com música. Eu lembro, esse estalo. Eu lembro de ter feito um desenho no caderno da escola de um cara com cabelo moicano com um baixo acústico em uma caminhonete antiga, um ampli(ficador). E viajando o mundo. Parando nos lugares. ‘Posso fazer um som aqui’. Isso me atraia muito.

BP – Você é meio autodidata?

Glauco – Sou audodidata. Depois eu fiz uns cursos. Tive umas aulas com uns caras. Fiz oficinas de música com o Arismar (do Espírito Santo). Nelson Faria. Grupo Uakti. Mais tarde eu fiz Berklee College. Mas isso foi depois. No começo eu tive aula com um cara chamado Yuri Daniel, baixista que mora em Lisboa há muito tempo. E ele me ensinou os conceitos básicos do baixo e me deixou um catatau de métodos. Como eu já lia partitura do piano eu fui estudando sozinho. Depois fui fazendo cursos aleatórios. E aprendendo muito com os músicos que eu tocava. Eu comecei a tocar com o Polaco guitarrista e o Paulinho Branco (saxofonista). Que eram duas escolas. Ali eu parei de tocar com a banda cover. ‘Vou encarar a música instrumental’. Comecei a curtir jazz rock. Eu comecei tocando rock. Quando veio a MPB e tudo mais, eu queria ter essa versatilidade. Eu gostava de outros ritmos. Adoro reggae. Outras vertentes. Aquilo foi abrindo, e aí no jazz. ‘Aqui vou conseguir aprender muita coisa, me expressar’. A música instrumental me atraiu por causa disso. A abertura que isso deu do instrumento se comunicar.

EUROPA

Artista ‘tem que expandir fronteiras”

Bem Paraná – Você foi a primeira vez para a Europa nos anos 90. Como foi isso?

Glauco Solter – A primeira vez que eu fui mesmo foi sem instrumento. Eu estava morando em São Paulo. Na verdade foi com o Polaco que a gente foi para São Paulo em 89. E aí eu fiquei um ano em São Paulo e me bateu uma crise de identidade. ‘Será que eu nasci para ser músico’. Eu estava em um momento de ruptura. Estava querendo sair de São Paulo. Vendi tudo. Não consegui vender o baixo. Que eu tinha comprado do (Celso) Pixinga. Que me deu uma superforça em São Paulo. Fui para a Europa sem baixo. Deixei meu baixo na casa dos meus pais. Fui tentar meus papeis para a cidadania alemã que não consegui. Tinha 19, 20 anos. Tentei a papelada em Berlim. Não consegui. Estava na casa do meu tio. Falava muito pouco alemão. Meu plano era ir para Londres, onde estava meus amigos, mas eu fui deportado. Passei por várias situações. Me mandaram para a Alemanha de volta. Daí eu voltei para o Brasil, para a casa dos meus pais. Tinha um amigo meu que abriu um bar de jazz em Curitiba. Ele me convidou para tocar lá. Trabalhei toda semana, casei. Um pouco antes comecei a tocar com o João Lopes.

BP – Na segunda vez você voltou para a Europa com o João Lopes?

Glauco – O João, quando acabou a campanha do ‘Bicho do Paraná’, ganhou uma grana e convidou para tocar na Europa. Fomos tocar no Festival de Jazz de Montreaux. Eu fui tocando em um esquema diferente. Mas também uma aventura e uma super roubada. Foi o produtor na frente, e a gente deu uma grana para ele para garantir a nossa hospedagem lá. Quando a gente chegou lá a gente tinha hospedagem até dois dias antes do Natal. E ele foi embora. A gente ia voltar no final de janeiro. E depois do Natal a gente não tinha onde ficar. E eu fui para Londres no Natal. Porque eu tava encasquetado com aquele negócio. Como é que pode não entrar em um lugar. Queimei meu passaporte, fiz outro. E fui para a Suiça fazer uns trabalhos com o João Lopes. A casa em que a gente ia ficar em Montreaux tinha mais dois brasileiros, um professor de espanhol de Florianópolis. Ele me emprestou o dinheiro para ir para Londres. Entrei na Inglaterra e voltei. E depois voltamos em 94 com o João Lopes para gravar em Genebra. E daí foi feito um contato muito forte com músicos suiços. Na época o Paulinho Branco estava morando em Montreaux. O Mário Conde estava morando em Lausane. O Endrigo (Bettega) estava morando em Genebra. Tinha muitos curitibanos na Suiça. E eles já estavam enturmados.

BP – Fala-se muito que os artistas e músicos curitibanos têm dificuldade de sair daqui. E você não só tocou no País inteiro como em várias partes do mundo. Você buscou isso ou aconteceu naturalmente?

Glauco – Digamos que eu já tinha um pouco essa visão que eu acho que, de uma maneira geral, por uma questão de sobrevivência, para o músico é expandir as fronteiras do trabalho dele. Não vender em um beco e ficar lá dentro. Porque daqui a pouco ele vai estar disputando com os ratos e brigando pelas migalhas. O músico, o artista, ele precisa de projeção, ele precisa sair. Eu sempre tive essa visão. Como eu sou filho de família estrangeira eu sempre falei duas línguas. Tinha aula de alemão com minhas tias com 8 anos de idade. Minha mãe é professora de inglês, meu pai é professor de alemão. Na verdade, o que aconteceu? Os músicos que a gente conheceu na Suíça eram muito gente boa, deram uma superforça. Os caras eram uns anjos. Tinha um cara que era Michelângelo. Filho de brasileiro, mas da Suíça. A mãe brasileira e o pai suiço. Esses amigos me proporcionaram voltar. Quando eu voltei foi abrindo. Tinha um amigo meu na Bélgica, o Grafite, filho do Lápis. Ele estava na Bélgica. Eu fui lá umas três, quatro vezes. Fiquei na casa dele, toquei.

BP – As oportunidades foram surgindo e você foi aproveitando.

Glauco – Exatamente. Eu achava, mesmo as primeiras viagens que foram roubadas é um investimento. A gente tem que ser conhecido em outros lugares. Quanto mais você for, mais você vai. Tanto que teve uma época que tinha passado uns três, quatro anos que eu não tinha tinha feito nenhuma viagem para a Europa, eu falei: ‘cara, eu vou pagar do meu bolso e vou. E vou inventar coisas lá. Eu não posse deixar passar tanto tempo senão vou perder esse gancho’. Eu vejo assim, tão importante quanto tocar no interior do Paraná é você ter um nicho lá na Europa. É você ter Santa Catarina, Joinville, Jaraguá. Tem que ir lá tocar. Tem que cavar na pedra. São mercados importantes. São Paulo, do lado aqui de Curitiba, importantíssimo. Mas é engraçado você dizer que os músicos curitibanos têm dificuldade de romper a casca, porque eu não vejo dessa forma. Eu vejo assim que os músicos que estão a fim de som, estão logo saindo de Curitiba. Os músicos mais espertos nem dão bola para esse tipo de estigma.

BP – Falando em estigma, o que você acha daquela história de que curitibano não valoriza os artistas locais, autofagia?

Glauco – Esse é um discurso que eu também ouvi sempre, mas nunca vivi. Sempre tive apoio do público, as pessoas sempre gostaram do que eu faço. Sempre incentivando. Eu acho que o curitibano tem um jeito. A sua maneira. Uma vez eu estava tocando, acabei de tocar e o pessoal não bateu palma. Eu falei: ‘gente, eu sei que vocês não bateram palma, mas eu sei que vocês estão gostando, eu também sou curitibano’. Eu sempre tive uma energia boa do pessoal daqui.

BP – Talvez a mídia daqui não dê apoio?

Glauco – Tem duas coisas aí. Há casos e casos. O estigma, para você reverter, você tem que falar exatamente ao contrário. As duas coisas têm seus argumentos e têm seus lados de verdade. Mas se a gente continuar repetindo que as pessoas não dão força para os músicos daqui, isso realmente vai acontecer. Existe um apoio, uma identificação. Eu acho que a postura do artista, ele tem que ter certeza do seu trabalho, ele vai encontrar o seu público. Eu vou procurar fazer alguma coisa que as pessoas consigam viajar com isso. Vou ver o que funciona e o que não funciona. E vou jogar uma postura positiva. Desde o começo eu sempre tive força. Não sei se porque eu sempre coloquei o coração na mesa no primeiro momento. Para mim a coisa é muito espontânea, muito transparente, e muito viva. Eu estou tocando eu estou fazendo careta, eu estou entregue. Estou querendo cantar junto com as pessoas, procurando melodias. Eu sempre procurei muito me comunicar com a plateia. Para mim sempre a comunicação com as pessoas foi muito importante.

SOBREVIVÊNCIA

‘Não dá para ficar em casa esperando o telefone tocar’

Bem Paraná – Você tocou nas ruas de Paris. Como foi isso?

Glauco Solter – Em 98, eu fiz um show no festival de jazz de Montreaux com meu trio. Eu o Endrigo (Bettega), e um guitarrista belga, Bernard, esqueci o sobrenome dele. Um cachê bacana, e tal. E dali eu já fui para Paris e fiquei uns cinco meses. Na época minha esposa estava fazendo um curso em Paris, e eu fiquei junto com ela. Determinado momento o cachê acabou, eu precisava ganhar dinheiro. Eu comprei um amplificador daqueles que você carrega na tomada e fui tocar na rua. Eu preparei um repertório que era baixo seis cordas solo, um troço supercomplexo, nem baixista consegue ouvir aquilo. Pesado. Não era muito acessível. Depois de três horas tocando eu não recebi um centavo. Eu não sabia onde era o lugar certo. Não deu certo. E agora, que que eu vou fazer para sobreviver nessa cidade. Eu já sabia falar francês. Eu tinha uma caixa de CDs que eu lancei em 92 e relancei em 94. ‘Cara, vou vender CD pela rua’. Com um discman (aparelho de CD portátil), botei na cintura com o meu CD e saí pelas ruas andando e abordando as pessoas nos cafés, nas mesas. Eu vendi em média um por hora. Eu trabalhava dia sim, dia não. Aí acabou os CDs, liguei para o meu pai ele mandou pelo correio duas caixas que garantiram minha sobrevivência ali por um tempo. Foi em uma dessas que eu conheci o (trombonista) Raul de Souza. Eu vi no jornal que ele ia tocar no ‘Le Duc des Lombards’, um bar de jazz. ‘Vou lá vender o meu CD’. E aí eu encontrei com ele. Começamos a conversar. Começamos um contato. O contato foi aumentando até que eu entrei na banda dele. Estou há quinze anos tocando com ele.

BP – Você tem mais de 30 anos de carreira. Qual o segredo para viver de música?

Glauco – Eu acho que assim. Você tem que diversificar o teu trabalho. Você tem que fazer várias coisas ao mesmo tempo. Você tem que estar atuando em diferentes grupos, ou com o mesmo grupo em vários lugares. São vários tipos de atividade. Tocar diferentes instrumentos. Ver para onde você pode ampliar. Existem muitas atividades relacionadas à música que podem ser levadas paralelamente. O cara pode ser um técnico de som. Você não está tocando um instrumento, mas está atuando no mercado musical. Você pode dar aulas. Produção é algo que eu faço muito. Curadoria de eventos. Se você tem um certo estilo, por exemplo, você monta uma banda de salsa. Você tem diferentes frentes de ação. O músico não pode ficar em casa esperando o telefone tocar.

BP – Em quantos grupos você toca atualmente?

Glauco – São em torno de doze, quinze. Por exemplo, eu acompanho a (cantora) Rogéria Holtz. Com a Rogéria a gente tem alguns trabalhos. Um deles é com o Daniel Migliavacca, acabamos de gravar um disco de samba. O Dani é um que eu tenho um trabalho, eu toco no quarteto dele. E a gente tem um duo, o Duo Bandolaxo, que é bem atuante. A gente viajou o ano passado para a Europa. O meu principal trabalho é o Raul de Souza. Mas com o Raul eu tenho três projetos atualmente. Um é o quarteto, que a gente tem o ‘Blue Voyage’, que é um disco lançado o ano passado pelo Sesc. E agora estamos lançando dois discos: um na Europa que é o ‘Plenitude’, que é um trombonista alemão convidando ele. A gente gravou em outubro agora, vai ter lançamento na Rússia, Alemanha em junho. E esse trabalho novo do Raul que é o ‘Raul 58’ que vai ser lançado em janeiro, um trabalho com a Gramophone que vai ser lançado agora em janeiro, produzido em Curitiba, lembrando os tempos que ele morava em Curitiba. Fora o Raul o Mano a Mano Trio que é o meu principal trabalho. Acabamos de fazer um trabalho com o João Bosco. Ontem eu toquei com o Sérgio Coelho. Tayana Barbosa, minha mulher, somos um duo, também. São coisas que eu vou administrando, vou fazendo períodos. Há três anos eu estou morando também em São Paulo, para tocar com o pessoal de lá também. Com o Arismar, fizemos agora o projeto Cataia, eu e o Mauro Martins, baterista de Curitiba que mora na Europa há 30 anos. Tem o Daniel Oliva, guitarrista lá de São Paulo que a gente criou um projeto sobre o Pat Metheny.

LEVADAS

‘Ninguém fala sobre os baixistas brasileiros’

Bem Paraná – Agora você virou escritor e está lançando um livro: ‘Levadas Brasileiras’. Como surgiu isso?

Glauco Solter – Eu sempre gostei de escrever. Desde a escola. Eu tinha redações premiadas. Teve uma época em que eu escrevi uma coluna semanal no Jornal do Estado (atual Bem Paraná). Eu escrevia sobre os acontecimentos artísticos da cidade. Eu sempre pensava nessa história do livro. E aí pintou um negócio, o Mola (Jones – baterista), me procurou. Ele é da editora e eles queriam fazer uns métodos de instrumentos musicais. A coisa não andou. A minha ideia era falar sobre os baixistas. Todos os métodos de baixo são iguais. Eu senti essa lacuna. Ninguém fala sobre os baixistas brasileiros. A única fonte disso era as conversas informais entre os músicos. Quantos personagens que passam e a gente não conhece? A princípio eu pensava em fazer um guia, muito seco. A foto do cara, um breve histórico e as partituras, quatro levadas para as pessoas conhecerem o trabalho do cara. Aí montamos un projeto para a Fundação Cultural na lei de incentivo. Eu com o Mola, aí entrou o (Luiz Antonio) Ferreira (ex-Beijo AA Força/atual Orquestra Sem Fim), e o Ali Benato para fazer os vídeos. O Maurélio (Barbosa) já estava desde o começo. Entramos com o projeto, aprovou. Nesse momento eu pensei que ia ficar muito seco. Pensei em aproveitar a oportunidade e fazer algo maior. Que fosse um método, mas também um livro. Fazer algo com crônicas, reflexão, algo autobiográfico, história dos caras. É para ser um livro divertido. Não precisa ser baixista. É para ser interessante para qualquer leitor. Se você não é baixista você também vai curtir, entrar na história. O personagem central é o baixo passando por todos esses personagens que foram criando a linguagem do baixo brasileiro. De várias vertentes.

BP – Como você vê a situação da cultura e das artes em geral no Brasil hoje?

Glauco – Eu vejo com preocupação tudo que acontece hoje, lógico. Acima de tudo, antes de ser baixista, eu sou um humanista. E a arte é totalmente relacionada a isso. No Brasil o que não falta é gente boa na cultura. Eu vejo com preocupação, mas vejo com otimismo. Porque eu acho que o Brasil tem capacidade de reverter. Acho que a gente tem que acreditar, porque da nossa crença virá a força. O que eu vejo hoje artistas maravilhosos surgindo no Brasil. Nós temos hoje baixistas no Brasil que tocam mais do que nunca se tocou no mundo. Tanto no Brasil como em vários lugares do mundo. Há uma juventude tocando muito. Eu estou falando do baixo só para citar um exemplo. Acredito que acontece em várias áreas. Existe uma juventude trazendo muita coisa boa. Essas pessoas vão virar essa maré. É um período. Faz parte da democracia a gente passar por esse período. O povo escolhe, independente de como foi, e a gente tem que se adaptar e passar. Eu sei que o preço que a gente está pagando é muito alto. Muito mais alto que a gente nunca pagou. A gente tem coisas acontecendo irreversíveis com o meio ambiente, com tudo. Os caras estão batendo na cultura. Mas na cultura não adianta bater. Quanto mais bate mais ela fica brilhante. Ela corre por dentro de outros…ninguém alcança. A arte verdadeira acontece. Os músicos estão aí para despertar a sensibilidade nas pessoas. É um esforço conjunto que leva tempo.