BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) determinou aos seus servidores a paralisação, sem prazo, de todos os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para o programa de reforma agrária no país.
A medida atinge também os cerca de 1,7 mil processos para identificação e delimitação de territórios quilombolas.
O instituto confirmou à reportagem que “foram sobrestados [interrompidos] 250 processos nas diversas modalidades de obtenção” de terras.
Para o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a medida vai agravar a tensão no campo e gerar prejuízo aos cofres públicos, pois o governo já gastou recursos em vários processos de identificação das terras.
“Nos últimos quatro anos, desde o governo Dilma, a reforma agrária já vinha em um sistema de paralisia, e agora é um agravamento. Temos 120 mil famílias acampadas e elas não vão desistir da luta pela terra, sempre pela paz no campo, repudiamos a violência”, disse Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, em Brasília.
Ele estimou em 365 o número de processos no Incra que deverão ser atingidos pela paralisação.
Por medida provisória e decreto assinados pelo presidente Jair Bolsonaro, o Incra saiu da Casa Civil da Presidência, onde estava desde 2016, para o Ministério da Agricultura. A pasta é comandada pela ex-líder da bancada ruralista no Congresso Tereza Cristina (DEM-MS) e abriga a Secretaria de Política Agrária, chefiada pelo pecuarista Nabhan Garcia, um adversário do MST desde os anos 80.
A reportagem teve acesso a três memorandos distribuídos aos servidores do Incra no último dia 3, revelados pela organização não governamental Repórter Brasil nesta terça-feira (8).
Em um dos documentos, o diretor de ordenamento da estrutura fundiária, Cletho Muniz de Brito, menciona motivos para a suspensão: a nova vinculação do Incra ao Ministério da Agricultura e “as diretrizes adotadas pelo novo governo, em especial no que se refere ao processo de regularização fundiária na Amazônia Legal”, tarefa repassada ao Incra. Ele determinou “o sobrestamento da tramitação de todos os processos em curso, exceto os processos oriundos de decisão judicial”.
Em outro memorando, o então diretor de obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do Incra, Clóvis Figueiredo Cardoso, nomeado presidente Michel Temer em 2017 –ele deixou o cargo após a assinatura dos papéis–, também mencionou a vinculação do Incra à Agricultura, as “novas diretrizes do novo governo” e “o processo de transição pelo qual passará o Incra em todas as suas instâncias”.
Desde a criação, em 1970, o Incra contabiliza 1,34 milhão de famílias assentadas no programa de reforma agrária em 9.400 assentamentos criados e reconhecidos em 88 milhões de hectares. Segundo o órgão, o número total de famílias hoje vivendo em assentamentos e área reformadas é de 972 mil.
A paralisação ou mesmo o fim do programa de reforma agrária era um temor de entidades que atuam com famílias de trabalhadores rurais sem terra, em especial depois de declarações feitas por Bolsonaro durante a campanha eleitoral.
Então candidato, ele ameaçou criminalizar ações do MST, a quem chamou de terroristas. Em 2017, um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse em vídeo divulgado em redes sociais que a distribuição de terras a integrantes do MST “em nada contribui para o crescimento do país” e acusou o MST de ser “um movimento de cunho político”.
Em nota à reportagem nesta terça, o instituto confirmou que não há prazo para o fim dos sobrestamentos dos processos. O órgão afirmou que é “uma medida administrativa do Incra, tendo em vista possível reestruturação que a autarquia deve passar para adequar-se ao disposto no decreto nº 9.660 e Medida Provisória nº 870”.
De acordo com o órgão, os processos paralisados estão em fase administrativa, cuja conclusão depende de, entre outros requisitos, comprovação de cumprimento da função social, viabilidade do assentamento e disponibilidade orçamentária.