PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Não foi apenas entre os turistas e as maiores fortunas francesas que o incêndio que destruiu na segunda (15) boa parte do teto e uma torre secundária da catedral Notre-Dame causou comoção.


As imagens do cartão-postal parisiense em chamas estimularam um exame de consciência em escala continental: o quanto alguns dos monumentos históricos que constituem o cânone da arquitetura da Europa estão de fato a salvo de incidentes com fogo ou de outras ocorrências que possam comprometer sua estrutura?


Para tentar começar a responder, o Ministério da Cultura da Espanha convocou, para o fim de abril, uma reunião extraordinária do Conselho de Patrimônio Histórico. A ideia, segundo o titular da pasta, José Guirao, é avaliar a quantas andam os planos de proteção de bens culturais em casos de emergência.


“É claro que isso [o incêndio na catedral parisiense] é um alerta. Vamos verificar todas as instalações elétricas dos grandes monumentos”, afirmou à rádio RNE.


Em Portugal, a imprensa cogitou nos últimos dias o que aconteceria com o equivalente (em popularidade relativa) de Notre-Dame, o Mosteiro dos Jerônimos (Lisboa), se um incêndio ocorresse. A joia arquitetônica do século 16 mistura influência gótica com elementos do renascimento e figura na lista do patrimônio mundial da Unesco desde 1983.


Monumento luso mais visitado (1,2 milhão de pessoas passou por lá em 2017), o local não dispõe de um plano de evacuação eficaz, segundo especialistas. A Direção-Geral do Patrimônio Cultural contesta essa avaliação.


Para a ex-ministra da Cultura Isabel Pires de Lima, em entrevista ao jornal português Observador, é preciso lembrar que “não é só o Estado que tem responsabilidades”. A Igreja, lembra a professora universitária, “é detentora de muito patrimônio de valia e tampouco investe tanto quanto seria sua obrigação histórica”.


De avareza não se poderá acusar o Tesouro britânico, que deve desembolsar 3,5 bilhões de libras (R$ 18 bilhões) na década que vem para a reforma do Palácio de Westminster, em Londres, onde funciona o Parlamento.


O complexo tem algumas alas erguidas na mesma época de Notre-Dame, no século 12. Entre 2007 e 2017, 60 focos de incêndio foram identificados e controlados ali –em 1834, boa parte da construção foi consumida pelas chamas.


No começo de abril, uma sessão na Câmara dos Comuns teve de ser suspensa por causa da água que caía de grandes goteiras no teto do plenário.


Na esteira do fogo na igreja francesa, parlamentares britânicos voltaram a alertar sobre as possíveis consequências da decrepitude de Westminster.


Dois dias antes do ocorrido em Paris, o vice-premiê do Reino Unido, David Lidington, havia assinado uma coluna em um jornal dizendo que os sistemas elétrico, de encanamento, de calefação e de esgoto de Westminster tinham há muito chegado ao fim de sua vida útil. “A cada ano que passa, cresce o risco de um incêndio catastrófico”, escrevera.


A França também dedica um borderô significativo a gestão e conservação do patrimônio histórico: cerca de 320 milhões de euros anuais (R$ 1,4 bilhão), segundo o jornal Le Monde.


Alexandre Gady, professor de história da arte na Universidade Sorbonne, porém, diz à mesma publicação que eles são com frequência contingenciados para compensar estouros orçamentários em outras rubricas, “o que cria problemas de segurança graves”.


Por isso, ele conclui, o estado do patrimônio francês não condiz hoje com a estatura de um dos países mais assíduos na relação de locais que a Unesco considera patrimônio da humanidade.


“Nossos monumentos não recebem manutenção suficiente. Fazemos ‘gambiarras'”, afirma ao Parisien. “Restauramos antes de resolver problemas técnicos. Não é sério.”


O Ministério da Cultura francês, responsável por uma restauração de Notre-Dame em curso desde julho de 2018, diz que não havia improviso ou negligência no canteiro da parte alta do prédio, onde as obras se concentravam por ora.


Os administradores da catedral vão no mesmo tom, lembrando medidas como a instalação de portas corta-fogo e detectores de fumaça, além de um sistema de monitoramento in loco 24 horas.


Ainda assim, uma fonte do setor da construção civil ouvida pela AFP sob anonimato afirma que, para cumprir prazos, não raro mestres de obras ignoram regras de segurança simples, como a de não fazer solda após o começo da tarde –a fim de que, se houver hiperaquecimento do metal e princípio de fogo, ainda exista alguém na obra para agir no ato.


Seja qual tenha sido a causa do desastre na catedral, o presidente do Centro dos Monumentos Nacionais da França vê uma lição a tirar do episódio.


“Talvez esse drama contribua para uma tomada de consciência sobre o lugar que os monumentos ocupam em nossa vida”, diz Philippe Bélaval ao Monde. “É um preço muito alto, mas, paradoxalmente, esse trauma pode reforçar a ligação entre o país e seu patrimônio.”