BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Jair Bolsonaro abriu mão de uma nova licitação para escolher a gráfica que imprimirá as provas do Enem deste ano sem apresentar justificativa, o que contraria indicação do TCU (Tribunal de Contas da União).

O Inep (Instituto Nacional de Estudos Educacionais), órgão do MEC responsável pela prova, encaminhou ao tribunal pedido para renovar contratos de impressão continuamente para o Enem e outras avaliações educacionais.

Hoje, a mesma empresa, Valid, suspeita de irregularidades, detém dois contratos para a impressão de todas as provas do órgão. O valor total é de R$ 294,7 milhões.

A gráfica RR Donnelley imprimiu o Enem de 2009 a 2018 por meio de duas licitações (2010 e 2016). Em 2009, a contratação teve dispensa de licitação após roubo da prova. Nos outros anos, após as licitações, o contrato foi renovado sem concorrência.

Essa gráfica anunciou falência no fim de março deste ano. Em julgamento de 24 de abril, o TCU proibiu o governo de renovar a contratação para o Enem continuamente.

Neste ano, a corte autorizou, excepcionalmente, contratar a segunda colocada na licitação de 2016, Valid, se “demonstrada a ausência de tempo para processar novo certame”.

O governo assinou o contrato com a Valid em 21 de maio, mas não enviou justificativa ao tribunal. No dia 10 deste mês, apresentou o recurso para derrubar a decisão de abril.

Considerada a experiência de 2016, haveria tempo para novo edital: naquele ano, o pregão foi aberto em 8 de junho, e o Enem ocorreu em novembro, mesmo mês escolhido para as provas deste ano. 

No recurso ao TCU, o instituto pede que o tribunal reconsidere a determinação de realizar licitações anuais por se tratar de “serviço contínuo” com especificidades de segurança. O Inep alega que ocorrências típicas do certame, como impugnações, podem colocar em risco os exames.

Caso houvesse licitação, o Inep poderia obter preço menor. O contrato para impressão do Enem 2019 é de R$ 151,7 milhões, 6% superior ao valor de 2018 e acima da inflação do período, de 3,75% segundo o IPCA, aferido pelo IBGE. 

O TCU instaurou processo em 2016 após a gráfica Plural, parceria do Grupo Folha com a Quad Graphics e concorrente no certame, enviar denúncias à corte e à Polícia Federal.

No relatório final sobre o Enem, o TCU concordou que a exigência de comprovação de planta gráfica reserva (para emergências) restringia a concorrência. Principal motivo de desclassificação da Plural, o ponto permitia a habilitação de somente duas empresas: RR Donnelley e Valid.

A denúncia da Plural, analisada pelo TCU e pela PF, indica suposta atuação conjunta das duas empresas. Profissionais da Donnelley responsáveis pela interlocução com o Inep foram para a Valid. 

O TCU analisa o outro edital vencido pela Valid, em janeiro de 2019, no valor de R$ 143 milhões, para impressão de outras avaliações (Saeb, Encceja, Enade e pré-testes). A Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas do TCU apontou irregularidades em relatório de maio.

O tribunal cita que, na licitação do Enem de 2016, as duas companhias tiveram comportamento suspeito nos lances por menor preço. Já no pregão de 2019, vencido pela Valid, a RR Donnelley “não apresentou postura competitiva” mesmo sendo frequente colaboradora do Inep. Ao justificar o pedido de falência, a RR Donnelley citou a perda de contratos com o Inep.

Os critérios de desclassificação da Plural e da Esdeva também são questionados. 

Sobre a Plural, que tinha o menor preço, o tribunal diz que “as alegações do Inep aparentam excessivo rigor”, tanto na questão da gráfica redundante quanto na suposta falta de comprovação de segurança, pois a empresa realizou impressões com essas exigências para o próprio Inep.

A proposta da Esdeva era R$ 11 milhões menor que a da Valid, mas o Inep não aceitou, no pregão, prorrogar prazo para envio de documentos. 

Procuradas, a Valid e a RR Donnelley não quiseram se pronunciar.

A gráfica RR Donnelley assumiu o Enem em 2009 após o roubo da prova naquele mesmo ano. O crime ocorreu dentro da Plural, que não foi responsabilizada pela Justiça.

O Inep informou, por nota, que a corregedoria do órgão apura as denúncias. O instituto afirma que mantém política de transparência e se coloca à disposição dos órgãos de controle para esclarecimentos e ajustes pertinentes.