ROMA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Foi em tom triunfalista, e com calorosos acenos ao novo governo brasileiro, que a Itália recebeu Cesare Battisti após 38 anos de fuga do terrorista condenado à prisão perpétua pelo homicídio de quatro pessoas no final dos anos 1970.


Para o italiano de 64 anos, a epopeia que se estendeu por países como França, México, Brasil e Bolívia, onde foi preso no final de semana, terminou na manhã desta segunda-feira (14) no aeroporto de Ciampino, em Roma.


No ato final de um dos mais longos e complexos casos da diplomacia italiana, o governo populista de direita, no poder há sete meses, aproveitou o embalo do midiático evento para reforçar a imagem de linha dura também presente no Brasil de Jair Bolsonaro.


O primeiro-ministro, Giuseppe Conte, foi efusivo nos agradecimentos a Bolsonaro no pronunciamento que fez horas depois da chegada de Battisti. “A mudança de governo no Brasil foi determinante para esse resultado. Eu falei com Bolsonaro e o agradeci muito”, disse.


Matteo Salvini, ministro do Interior e líder da Liga, partido de extrema direita, também conversou com o brasileiro por telefone e o exaltou em entrevistas e nas redes sociais. Em nota oficial nesta segunda, a Presidência da República afirmou que Salvini agradeceu a participação do Brasil na condução do caso. A nota também afirma que o Brasil “não aceitará mais criminoso travestido de perseguido político” e que o desfecho “simboliza o fim da impunidade nacional e internacional”.


Salvini e Bolsonaro se aproximaram em setembro, durante a campanha eleitoral, quando começaram a trocar afagos no Twitter e o então candidato declarou apoio à extradição do terrorista -as agendas dos políticos são parecidas em temas como críticas à globalização e à imigração e na defesa de mais armamento para a população.


Sobre o governo do autodeclarado socialista Evo Morales, que por fim autorizou a expulsão de Battisti e abreviou o seu retorno, também houve agradecimento, mas o nome do boliviano nem sequer foi mencionado pelos ministros do governo italiano.


“Nosso objetivo foi fazer o voo mais rápido e seguro para a Itália”, acrescentou Conte, sobre o fato de Battisti não ter passado pelo Brasil, como queria Bolsonaro. O governo brasileiro chegou a anunciar que um avião da Polícia Federal havia sido deslocado para trazer Battisti antes de sua entrega aos italianos, mas foi informado de que a transferência seria direta.


A expulsão também desobrigou a Itália a cumprir os termos do processo de extradição determinados pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A corte autorizou a extradição do italiano, mas a condicionou ao cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro –que veta a prisão perpétua e estabelece 30 anos como a pena máxima.


“Ele ficará preso pelo resto dos seus dias”, declarou Salvini. O Ministério da Justiça italiano confirmou que Battisti cumprirá a pena de prisão perpétua. Como escapava da Justiça havia 38 anos, ele não terá direito aos benefícios de regressão da pena -que no seu caso começaria após cumprir dez anos- nem a possíveis acordos de colaboração premiada, instrumento que possibilitou a sua condenação.


Battisti vai passar os primeiros seis meses em isolamento, também previsto para os condenados à prisão perpétua. Ele foi transferido na tarde desta segunda-feira para um presídio em Oristano, na Sardenha, ilha italiana a 45 minutos de voo de Roma.


Inaugurada pelo estado italiano em 2012, a penitenciária de segurança máxima abriga em cinco alas cerca de 250 presos condenados por crime organizado e terrorismo.


No futuro, não é improvável a sua transferência para Milão. Um dos magistrados responsáveis por condená-lo, baseado na cidade, já avisou que pretende interrogar Battisti numa ação que acaba de abrir para apurar a rede de italianos que deu proteção a ele nas últimas décadas.


Sua chegada a Roma envolveu uma forte esquema de segurança e até desviou o trânsito em algumas ruas da capital. Battisti desceu do avião com um leve sorriso que logo conteve -não tão escancarado como na sua prisão no Rio de Janeiro, em 2007.


Segundo os agentes de polícia que o acompanharam desde a Bolívia, o italiano estava tranquilo, contou detalhes de sua fuga do Brasil e dormiu boa parte das 15 horas de voo até a Itália. Depois, agradeceu o tratamento recebido.


Apesar de ter se transformado num grande evento para o governo, a oposição de centro-esquerda também saudou o retorno do terrorista.


A única manifestação pró-Battisti foi vista numa faixa estendida ao lado do Coliseu, em Roma (não se sabe por quem), que pedia sua liberdade e anistia.


Battisti reconhece ter feito parte do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), um dos grupos responsáveis pelos crimes do período conhecido como “anos de chumbo”, entre os anos 70 e 80 -período democrático em que o governo eleito enfrentou grupos armados de direita e esquerda.


O italiano, contudo, nega os crimes e diz ser vítima de uma perseguição, sendo condenado à revelia por uma delação firmada por um antigo companheiro do PAC.


Battisti foi detido em Santa Cruz de La Sierra, quase um mês após ter sido considerado foragido.


Em dezembro passado, ele teve a prisão determinada pelo ministro Luiz Fux, do STF, e o então presidente Michel Temer assinou seu decreto de extradição.


O Supremo já havia decidido em 2009 aprovar a repatriação, mas o então presidente Lula, no último dia de seu mandato, em 2010, permitiu a permanência do terrorista no Brasil.