A 8ª Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a condenação do ex-presidente Lula no caso envolvendo suposta corrupção na reforma realizada no famoso “Sítio de Atibaia”, porém, novamente, majorou a pena inicialmente aplicada passando para 17 anos, 1 mês e 10 dias, em regime inicialmente fechado.

Importante frisar, independente da ocorrência ou não de crime na espécie, o absoluto descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no HC nº 166373, de relatoria para acórdão do ministro Alexandre de Morais.

O Supremo, por maioria de votos, decidiu que o delator, na condição de réu no processo que apura eventual crime de organização criminosa (Lei 12.850/13), deve se manifestar antes do delatado, para que possa permitir a este o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, refutando as declarações trazidas pelo “colaborador”. Para deixar claro colaciono a ementa da decisão da Corte Suprema, que teve reconhecida a repercussão geral: “O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, para anular a decisão do juízo de primeiro grau, determinando-se o retorno dos autos à fase de alegações finais, a qual deverá seguir a ordem constitucional sucessiva, ou seja, primeiro a acusação, depois o delator e por fim o delatado, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Roberto Barroso, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Marco Aurélio. Prosseguindo no julgamento e após proposta feita pelo Ministro Dias Toffoli (Presidente), o Tribunal, por maioria, decidiu pela formulação de tese em relação ao tema discutido e votado neste habeas corpus, já julgado, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Em seguida, o julgamento foi suspenso para fixação da tese em assentada posterior. Plenário, 02.10.2019”.

Ocorre que na decisão da apelação do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, a 8ª Turma do TRF 4, rejeitou a preliminar suscitada pela defesa, para anular a sentença, uma vez que houve inversão da apresentação das alegações finais (memoriais), sendo certo que o delator, Leo Pinheiro, apresentou posteriormente. Na oportunidade, a juíza federal Gabriela Hardt, indeferiu o pedido da defesa de apresentar, novamente, as alegações finais, respeitando-se ao contraditório e a ampla defesa.

Ora, dessa forma, resta inequívoca a perpetuação da nulidade da 8ª Turma do TRF4, fato que será submetido, por óbvio, por reclamação constitucional, ao Supremo Tribunal Federal, pois teve aviltada, desrespeitada e rechaçada sua decisão exarada no HC 166373.

Vale ressaltar a importância de se respeitar a ordem de apresentação das alegações finais e de todas as peças de defesa. O delator, na dinâmica da Lei de Organização Criminosa, é um integrante “do bando” que resolve, “espontaneamente”, apontar quem são os demais componentes, bem como o “modus operandi” dos comparsas, possibilitando aos agentes do estado – Polícia Judiciária e o Ministério Público – desbaratar o crime, em troca de benesses legais.

Dessa forma, a declaração do delator traz imputação de crime a alguém – delatado – o qual tem constitucionalmente o direito de se defender das alegações. A questão posta no julgamento era aparentemente simples – tornou-se complicada pelos argumentos “ad terrorem” deduzidos por aqueles que defendem que o direito a liberdade e o respeito a ampla defesa são secundários ao serem cotejados com o combate a corrupção. Uma aberração para dizer o menos!

Na sistemática processual penal o acusado tem o direito, inalienável, de falar por último, para que possa exercer efetivamente o contraditório e a ampla defesa, garantias fundamentais do ser humano. Alguns incautos podem dizer, mas o delator não é réu tal como o delatado? Com efeito, o delator é réu, porém com status jurídico diverso do delatado, pois passa, com a delação, a condição de Réu-Colaborador, que tem interesse em atingir os demais acusados com a sua “versão”.

Simplificando ainda mais a questão, o delatado terá que se defender, também, das alegações deduzidas pelo Réu-colaborador, que passa, assim, a condição de um assistente da acusação (não do assistente da acusação tecnicamente), haja vista que suas declarações encaminham, como regra, as investigações.

Voltando ao julgamento do supramencionado habeas corpus, a divergência ao voto do Ministro Relator Edson Fachin, foi inaugurada pelo Ministro Alexandre de Moraes, que entendeu que “o delatado tenha o direito de falar por último” e concluiu: “O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório exigem que o delatado se manifeste após ter o pleno conhecimento de toda atividade probatória.”

Dessa forma, o julgamento realizado pelo STF respeitou e deu efetividade aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Todavia, a 8ª Turma do TRF4, desrespeitando a decisão da Corte Suprema, entendeu que a inversão não resultou prejuízo ao réu! Ora Senhores Julgadores a decisão do STF foi claríssima: “O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório exigem que o delatado se manifeste após ter o pleno conhecimento de toda atividade probatória.”

Destarte, a anulação a revisão do acórdão com a anulação da sentença da juíza federal Gabriela Hardt, a mesma que recentemente teve anulada sua sentença por ser recorta e cola da manifestação do MPF, é de rigor. Para finalizar, cumpre trazer a à lapidar lição do juiz Luis Carlos Valois: “Quando o Judiciário passa a pensar que uma de suas funções é o combate à criminalidade, ele se afasta da posição de garantidor de direitos e liberdades para agir como mais uma arma apontada para a população”.

* Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e Criminal e professor da Escola Paulista de Direito