ABADIÂNIA, GO (FOLHAPRESS) – A Justiça aceitou nesta sexta-feira (14) um pedido do Ministério Público de Goiás e determinou a prisão preventiva do médium João de Deus, 76, por suspeita de ter abusado sexualmente de mulheres durante atendimentos espirituais.

O médium, que mantém em Abadiânia (GO) a casa de curas Dom Inácio de Loyola, estava em local desconhecido até a conclusão desta edição, mas poderia ser preso pela polícia a qualquer momento.

Após relatos de dezenas de mulheres, a Promotoria do estado chegou a criar uma força-tarefa para recolher denúncias das supostas vítimas e afirmou já ter recebido 335 contatos, com mensagens principalmente por email.

O delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, disse à reportagem que policiais haviam percorrido mais de 20 locais em busca do médium até o começo da noite, mas que ele não foi localizado.

Segundo Fernandes, cerca de 15 policiais da força-tarefa responsável por investigar os casos faziam buscas pelo médium em Abadiânia e outros municípios de Goiás.

A defesa, porém, sinalizou em contato com a polícia a possibilidade de João de Deus se entregar, segundo o delegado. Por isso, a polícia ainda não o considerava foragido.

O médium nega as acusações de abuso sexual. Os advogados de João de Deus disseram inicialmente haver restrições ao direito de defesa, por falta de acesso aos autos, o que foi permitido mais tarde.

“Que a autoridade judiciária queira impor a [prisão] preventiva [de João de Deus], embora possamos discordar, é compreensível, mas negar acesso aos autos chega a ser assombroso”, disse trecho de nota dos advogados Alberto Toron e Luisa Ferreira. A defesa disse ainda que considera a ordem de prisão contra o médium “ilegal e injusta” e que impetrará um habeas corpus.

Os relatos de violência sexual foram feitos inicialmente por 13 mulheres ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, e ao jornal O Globo, no sábado (8). Desde então, outras denúncias surgiram.

Na segunda (10), Aline Saleh, 29, contou sua história à Folha de S. Paulo: “Quem tem de sentir vergonha é ele, e não eu”. Ela diz que, em 2013, esteve na casa e que foi levada para um banheiro, posta de costas e que João de Deus colocou a mão dela em seu pênis.

Em comum, a maioria das mulheres diz que recebeu um aviso de procurar o médium em seu escritório ao fim das sessões em que ele atende aos fiéis. No local, segundo as vítimas, João de Deus dizia que elas precisavam de uma “limpeza espiritual” antes de abusá-las sexualmente. Entre as vítimas estariam adultas, crianças e adolescentes.

O promotor Luciano Miranda Meireles afirmou que os depoimentos podem ser a úncia forma de comprovar as acusações, já que crimes como estupro não ocorrem à luz do dia nem têm testemunhas. “Não há por que duvidarmos dos relatos das vítimas. É claro que não vamos encontrar vestígios do crime nem lesões”, disse.

Especialistas citam o caso do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado a 181 anos de detenção pelo estupro de 48 pacientes, como exemplo de conduta em que os depoimentos de várias vítimas embasaram o desfecho judicial.

João de Deus se diz inocente e, na quarta (12), apareceu pela primeira vez na Casa Dom Inácio de Loyola após as denúncias virem à tona. “Agradeço a Deus por estar aqui. Ainda sou irmão de Deus. Quero cumprir a lei brasileira. Estou nas mãos da lei. João de Deus ainda está vivo”, afirmou.

Promotores entendem que podem ser configurados três crimes a partir dos relatos das mulheres: violação sexual mediante fraude, com pena de até seis anos; estupro, caracterizado por qualquer ato libidinoso, mediante violência ou grave ameaça, cuja pena é de até dez anos de prisão; e estupro de vulnerável, o mais grave, punido com até 15 anos de prisão.

O Ministério Público de Goiás também investigará denúncias de que alguns funcionários da Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, possam ter sido coniventes com os crimes que, segundo os relatos de vítimas, foram cometidos de forma continuada ao longo dos anos.

Em depoimento, mulheres apontaram quatro pessoas que trabalham no centro espírita. Os relatos foram feitos a promotoras de São Paulo, que ouviram mais de 20 depoimentos, e serão repassados ao órgão de Goiás.