O plenário da Câmara dos Deputados aprovou em 22 de março um projeto de lei de 1998 que regulamenta a terceirização no país. O projeto, que tem potencial para transformar a estrutura do mercado de trabalho brasileiro nos próximos anos, libera o uso da modalidade empregatícia em qualquer ramo de atividade das empresas privadas e de parte do setor público (a exceção é para atividades que são exercidas por carreiras de Estado, como juízes, promotores, procuradores, auditores, fiscais e policiais).

Antes da nova legislação entrar em vigor, prevalecia o entendimento da Justiça do Trabalho, consolidado através de iniciativas jurisprudenciais relativamente estreitas (a principal delas a súmula 331/1993 do TST), que vedava a prática na chamada "atividade-fim". Ou seja, uma escola não poderia terceirizar professores ou um jornal não poderia contratar jornalistas terceirizados, mas apenas atividades não relacionadas ao produto final, como serviços de limpeza, segurança e portaria.

Além das críticas da oposição, para quem a medida representaria uma espécie de salvo-conduto para a precarização da mão de obra no país, o projeto de lei (4.302/1998) também foi muito criticado por não ter sido discutido pela maior parte dos atuais senadores.

Apresentado em 1998 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, o PL 4.302/1998 chegou a ser aprovado em 2002 no Senado, com relatório de Romero Jucá (MDB-RR). Apenas 12 dos atuais 81 senadores estavam no exercício do mandato na época.

Em 2003, porém, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República e recusou-se a sancionar o texto, encaminhando em agosto de 2003 a Mensagem Presidencial nº 389, que solicitava a retirada de pauta da proposição e, consequentemente, seu arquivamento.

Com o projeto de lei “travado”, por iniciativa do deputado goiano Sandro Mabel (dono de uma fábrica que leva seu sobrenome e cujas bolachas podem ser encontradas em praticamente qualquer supermercado curitibano), é apresentado o PL 4.330/2004, que viria a ser o projeto mais debatido sobre o assunto nos anos seguintes, até sua aprovação em 2015, graças à atuação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso sob a acusação de envolvimento no Petrolão.

Mas o texto tramitou lentamente no Senado, já que Renan Calheiros (MDB-AL), então presidente da Casa, dizia ver riscos ao trabalhador. Foi então que Rodrigo Maia (DEM-RJ), sucessor de Cunha na presidência da Câmara, tirou um "coelho da cartola" e, com o apoio da base de Michel Temer, desengavetou o PL 4.302/1998, que não exigia mais a deliberação dos senadores, uma vez que estes haviam aprovado a proposta em 2002. Assim, tão logo os deputados federais votaram em sua maioria a favor, o projeto de lei seguiu para sanção presidencial.

Fenômeno crescente

Crescentemente verificado no mercado de trabalho brasileiro ao longo dos últimos 60 anos, o fenômeno da Terceirização já atingia em 2015, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 18,9% dos empregados brasileiros (o equivalente a 9,8 milhões de pessoas, sendo 1,4 milhão da região Sul – ou 16% do total de trabalhadores do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina).

Com a possibilidade de as empresas terceirizarem as chamadas atividades-fim, contudo, a expectativa é que nos próximos anos cresça exponencialmente o número de trabalhadores terceirizados no país. Segundo estimativa do sociólogo do trabalho Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP), em até sete anos o percentual de trabalhadores sob esse regime pode saltar dos atuais 18,9% do total de empregados no Brasil para 75%

A situação, ainda segundo o especialista, gera preocupação, uma vez que estudos conduzidos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que os trabalhadores terceirizados têm jornadas mais longas, salários menores e são mais acometidos por doenças do trabalho do que os efetivos que desempenham a mesma função.

O que dizem os críticos e os apoiadores da medida

Argumentos Favoráveis

Argumentos Contrários

Moderniza e flexibiliza a legislação trabalhista

Precariza as relações de trabalho

Proteção aos trabalhadores terceirizados

Funcionários efetivos tendem a ser substituídos por terceirizados

Reduz custos para as empresas

Achatamento salarial e aumento da jornada de trabalho, resultando em menos contratações

Reduz a insegurança jurídica, já que a regulamentação era feita por súmula do TST

Pulveriza a representação sindical, reduzindo o poder de barganha sobre reajustes

Terceirizados e efetivos seguem protegidos pela CLT

Aumento da rotatividade, dificultando o acesso a benefícios como férias e 13º

Estimula as contratações legais, elevando a arrecadação do governo

Achatamento salarial e rotatividade prejudicarão as contas do governo

Maior especialização, permitindo ganhos na qualidade da produção do trabalho e maior eficiência nas funções realizadas

Sistema de Saúde terá reflexos negativos com os acidentes de trabalho e as doenças laborais

não aumentará o número de terceirização e sim regulamentar a que já existe (principalmente setores de limpeza, vigilância e alimentação)

Todos os trabalhadores serão atingidos, já que a lei não tem limitação (ou seja, permite a chamada terceirização ampla)

Principais mudanças com a lei

Atividade-fim

As empresas poderão contratar trabalhadores terceirizados para exercerem cargos na atividade-fim, que são as principais atividades da empresa.

Atualmente, não existe uma legislação específica sobre a terceirização. Mas decisões da Justiça do Trabalho determinam que a terceirização é permitida apenas para as chamadas atividades-meio, ou seja, funções secundárias que não estão diretamente ligadas ao objetivo principal da empresa, como serviços de limpeza e manutenção.

O projeto prevê que a contratação terceirizada de trabalhadores poderá ocorrer sem restrições em empresas privadas e na administração pública.

Trabalho temporário
O tempo máximo de contratação de um trabalhador temporário passou de três meses para seis meses. Há previsão de prorrogação por mais 90 dias. O limite poderá ser alterado por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

O trabalhador que tiver cumprido todo o período (incluindo a prorrogação) só poderá ser admitido novamente pela mesma empresa contratante após 90 dias do fim do contrato.

É permitida a contratação de trabalhadores temporários para substituir empregados de serviços essenciais que estejam em greve ou quando a paralisação for julgada abusiva. Fica proibida a contratação de trabalhadores por empresas de um mesmo grupo econômico, quando a prestadora de serviço e a empresa contratante têm controlador igual.

Quarteirização”
A empresa de terceirização terá autorização para subcontratar outras empresas para realizar serviços de contratação, remuneração e direção do trabalho, que é chamado de “quarteirização”.

 

Condições de trabalho
É facultativo à empresa contratante oferecer ao terceirizado o mesmo atendimento médico e ambulatorial dado aos seus empregados, incluindo acesso ao refeitório. A empresa é obrigada a garantir segurança, higiene e salubridade a todos os terceirizados.

 

Causas trabalhistas
Em casos de ações trabalhistas, caberá à empresa terceirizada (que contratou o trabalhador) pagar os direitos questionados na Justiça, se houver condenação. Se a terceirizada não tiver dinheiro ou bens para arcar com o pagamento, a empresa contratante (que contratou os serviços terceirizados) será acionada e poderá ter bens penhorados pela Justiça para o pagamento da causa trabalhista.

 

Previdência
O projeto aprovado segue as regras previstas na Lei 8.212/91. Com isso, a empresa contratante deverá recolher 11% do salário dos terceirizados para a contribuição previdenciária patronal. E a contratante poderá descontar o percentual do valor pago à empresa terceirizada.

Capital mínimo
Em vez de um capital mínimo de R$ 250 mil, como previa o texto aprovado anteriormente pelos deputados, a redação do Senado cria um escalonamento segundo o número de empregados da empresa de terceirização.

Para aquelas com até dez empregados, o capital mínimo seria de R$ 10 mil; de 10 a 20, de R$ 25 mil; de 20 a 50, capital mínimo de R$ 45 mil; de 50 a 100 empregados, capital de R$ 100 mil; e aquelas com mais de 100 funcionários, um capital mínimo de R$ 250 mil.