BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Quando a editora de Rosa Montero, 68, sugeriu que ela escrevesse um prólogo para o diário de luto que a célebre física e química Marie Curie (1867-1934) tinha mantido durante um ano após a morte de seu marido, o também físico Pierre Curie (1859-1906), a escritora espanhola pensou que se encontraria com uma outra mulher.


“Eu já tinha lido muito sobre Marie Curie, e tinha a impressão de uma mulher séria, obsessiva, descuidada de sua aparência, muito inteligente mas talvez não tão sensível em sua vida emocional”, conta Rosa Montero à reportagem, em Buenos Aires, onde esteve para participar da 45ª edição da Feria del Libro da cidade.


O que Montero descobriu, porém, foi que naquele caderno estavam “emoções muito dilacerantes de alguém que se sentiu devastada pela morte do companheiro”. Montero ficou especialmente comovida porque ela mesma tinha perdido, havia pouco tempo, seu marido, Pablo, com quem esteve junto por 21 anos.


O prólogo virou então um livro, “A Ridícula Ideia de Nunca Mais Te Ver”, que sai agora no Brasil pela Todavia.


“Ver como uma mulher como Curie era capaz de ser tomada pela mais dilacerante e enlouquecedora dor foi como redescobrir o personagem. Foi ver como uma mulher tão dedicada à ciência, que entregou seu corpo à exposição radioativa, também poderia se sentir desorientada e destroçada pela perda de seu companheiro”, conta Montero.


O livro traça rapidamente a biografia de Curie, de sua infância na Polônia, o sonho tantas vezes adiado de ir estudar em Paris, os primeiros triunfos, até tornar-se reconhecida por suas pesquisas.


Curie é a única pessoa no mundo a ter ganhado dois prêmios Nobel científicos em categorias distintas: química e física. A cientista ainda descobriu dois novos elementos, o polônio e o rádio.


Em Paris, encontrou o amor, casou-se com Pierre, e passou a ser reconhecida por outros cientistas. Até mesmo Einstein a elogiava, mas fazia reparos à sua apresentação e a seu comportamento. Numa carta falando sobre ela, que Montero resgatou, Einstein mostrava sua admiração pela inteligência de Curie, mas fazia comentários maldosos sobre o modo sóbrio com o qual escondia a sua feminilidade.


Isso tudo, porém, foi interrompido por um acidente que até parece banal, mas que causou uma ruptura na linha da vida de Marie. No dia 19 de abril de 1906, ao atravessar a rua Dauphine, em Paris, Pierre Currie caiu, atropelado por uma carruagem. No momento em que a roda traseira do veículo acertou em cheio a cabeça do cientista, ela esfacelou-se na hora.


“Por muito tempo, Marie guardou um pedaço de pano em que estavam grudados pedaços do cérebro do marido, e ainda alguns fios de cabelo. Seu desespero era tão grande que pediu à irmã que a ajudasse, por fim, a queimar aquilo.”


O ensaio mostra que, mesmo assim, Curie não parou de trabalhar, voltou rapidamente às ciências e criou suas duas filhas. A mais velha, Irène, seguiu seus passos e também ganhou um Nobel; a mais nova, Éve, virou jornalista.


Sobre seu próprio luto, Montero conta no livro que seu entorno a estimulou a chorar muito no começo, mas que, meses depois, “já devia estar com aquilo resolvido”. 


Mas afirma que não é assim. “A morte de alguém próximo dói para sempre e você não será a mesma pessoa nunca, por isso é preciso chegar a um acordo com a morte própria e a dos seres queridos. Porque, mesmo nos momentos de dor mais aguda, vive-se coisas boas.”


Marie Curie, para ela, foi uma referência para isso. Mas não só. “Estamos vivendo um momento de nova onda do feminismo. Estamos nas ruas porque falta igualdade salarial, condições de ascenso nas empresas, muitas coisas”.


Neste sentido, Marie Curie surge como referência, pois numa época e num campo nos quais era tão difícil ser mulher, ela adaptou-se como pôde, e nada a impediu de avançar, “nem mesmo as quantidades imensas de radiação a que foi exposta”.