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FÁBIO ZANINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em junho de 1918, menos de um ano após a tomada do poder pelos bolcheviques, um desolado Leon Trotsky era a imagem do pessimismo.
“Uma única preocupação, uma única ansiedade domina neste momento todos os nossos pensamentos, todos os nossos ideais: como sobreviver amanhã”, disse.
Recém-designado comandante do Exército Vermelho, Trotsky tinha a difícil tarefa de evitar uma contrarrevolução dos “brancos”, como era conhecida a fluida coalizão de monarquistas, social-democratas e provocadores a soldo das potências europeias, que buscavam reverter o movimento comunista.
Na avalanche comemorativa dos 100 anos da Revolução Russa, a serem completados em outubro, um aspecto crucial pode ficar em segundo plano: o movimento bolchevique demorou a se consolidar e, em determinados momentos, esteve muito perto de entrar em colapso.
Este ponto é o mote do recém-lançado no Brasil “História da Guerra Civil Russa – 1917-1922”, do historiador francês Jean-Jacques Marie (editora Contexto).
Como a obra aponta, o conflito tem mais nuances do que uma simples disputa entre “vermelhos” e “brancos”.
Suprimidos da historiografia soviética, os “verdes”, por exemplo, ganham registro à altura de seu papel. Essas milícias camponesas, surgidas em diversos pontos do vasto território russo, rebelaram-se contra seus supostos libertadores comunistas, motivados pelo mesmo tormento que os afligia na era czarista: a fome.
“Vocês, comunistas, são uns ladrões! Vivia-se mais ou menos bem na época do czar, havia dinheiro e mercadorias”, brada um líder dos “verdes” citado na obra.
A reação foi tão grande que, em 1921, Lênin recuou de um decreto que confiscava de produtores siberianos parte do trigo que produziam. O líder da revolução permitiu que excedentes produzidos no campo fossem comercializados, numa concessão às relações capitalistas. Era a sobrevivência do novo regime, afinal, que estava em jogo.
Marie, um especialista em União Soviética e comunismo e autor de biografias de Lênin, Trotsky e Stálin, debruçou-se sobre documentos e relatórios para reconstruir esse período relativamente pouco estudado, mas fundamental para o entendimento de como os revolucionários mantiveram-se no poder e evoluíram para a concepção de Estado totalitário.
Criterioso, ele rejeita as estimativas mais elásticas da mortandade que o conflito causou, algumas chegando a 20 milhões de vítimas. Com base em estatísticas de números de órfãos e registros de migrações, defende a cifra de 4,5 milhões de mortos —ainda assim uma enormidade, cerca de 3% da população.
Só o Exército Vermelho, que no início era pouco mais do que uma massa de desempregados sem treinamento militar, perdeu 1 milhão de homens, dois terços por fome, frio e doenças.
Mesmo com todos os percalços, triunfaram a maior organização bolchevique, sua solidez ideológica interna e o talento e crueldade de seus principais líderes. Ao término da guerra civil, minorias haviam sido dominadas da Ucrânia à Ásia Central e nacionalismos, subjugados. O império soviético, que assombraria o Ocidente até o final do século, estava de pé.

HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL RUSSA — 1917 —1922
Autor: Jean-Jacques Marie
Editora: Contexto (274 págs.)
Quanto: R$ 47,90