Lula foi condenado pela segunda vez, agora a uma pena de 12 anos e 11 meses de reclusão. O PT insiste na tese de que ele não cometeu nenhum crime e se trata apenas de perseguição política. Noticiou-se até que vai haver recurso para a ONU, o que não tem o menor efeito na prática.
Tive a paciência de dar uma examinada no processo. Dele constam 1.369 “eventos”, jargão utilizado para indicar cada um dos atos processuais, como petições, interrogatórios, juntada de documentos, etc. Só as alegações finais do ex-presidente continham impressionantes 1.643 páginas — daria para preencher quase 7 volumes da Enciclopédia Larousse.
A sentença da juíza Gabriela Hardt foi mais econômica, de “apenas” 360 páginas, ou seja, do tamanho de um livro razoável. Uma obra de fôlego produzida num espaço curto de tempo. A sentença primeiro comprova o esquema existente que envolveu a Petrobras, que é assistente de acusação no processo, as empreiteiras OAS e Odebrecht e as altas esferas do Governo Federal. E passa a analisar a vinculação de Lula com o Sítio de Atibaia.
Cita a juíza primeiramente um relatório do “sem parar” das praças de pedágio, comprovando que, entre 2011 e 2016, passaram por ali, em direção a Atibaia, nada menos que 546 veículos da segurança do ex-presidente, o que dá em média um deslocamento a cada 4 dias. Isso é comprovado também pelas diárias pagas aos seguranças.
Existe também uma série de emails trocados entre o caseiro do sítio, apelidado de Maradona, e o Instituto Lula, dando conta do dia a dia da propriedade. Num deles fala-se da instalação de câmeras de segurança no “fundo da casa principal, voltada para o quarto do Presidente”. Em outro, Maradona envia anotação de telefone do MPF e identificação de membros da Lava Jato que estiveram fazendo diligências pela região.
Outro elemento de prova consistiu num laudo feito por peritos no sítio. Dele consta que a suíte principal era ocupada pelo casal Marisa e Lula, onde havia inúmeros pertences deles. Foi encontrada no imóvel uma agenda de Lula, com presentes e cartões a ele dirigidos. No banheiro do casal havia produtos manipulados em nome de Marisa. Foi achada também uma agenda dela, como projetos e construções da propriedade. Havia ainda um barco com a inscrição dos nomes de Marisa e Lula. O laudo chama a atenção para o fato de que não havia nenhum bem ou objeto pessoal pertencente a Fernando Bittar, supostamente o dono do sítio. A sentença faz notar também que, ao deixar a Presidência da República, os bens pessoais de Lula foram enviados para Atibaia.
Outros elementos de provas foram encontrados no apartamento de Lula em São Bernardo do Campo, contendo notas fiscais de bens do sítio e até uma minuta de escritura de sua compra pelo casal.
Verifica-se que a sentença não afirma que Lula era o proprietário do Sítio de Atibaia, mas sim que ele o usava como se fosse o dono e que ele foi o beneficiário das reformas que lá foram feitas, inclusive de uma adega para centenas de garrafas de vinho. Mas é interessante destacar que Lula foi absolvido com relação à primeira reforma, feita por José Carlos Bumlai, porque as tratativas todas foram feitas apenas com Marisa.
A segunda reforma foi promovida pela Odebrecht. Alguns fatos demonstram que Lula sabia de tudo, como o acompanhamento das obras por um assessor do ex-presidente e uma nota fiscal da compra de uma porta, que foi encontrada no seu apartamento em São Bernardo do Campo. Essas obras foram sempre pagas com dinheiro vivo e constam nas planilhas da Odebrecht.
A terceira reforma foi promovida pela OAS e se refere à cozinha feita pela Kitchens, juntamente com outra cozinha que foi instalada no famoso tríplex de Guarujá. O arquiteto Gordilho, da OAS, foi ao apartamento do casal explicar a reforma, fato confirmado com detalhes pela troca de emails e depoimentos. Essa reforma também foi paga em espécie.
A sentença faz ainda referência a inúmeros depoimentos, planilhas, emails, degravações, etc., comprovando, de maneira cabal, que Lula agia como dono e era o beneficiário das reformas no Sítio de Atibaia. Realmente, diante de todas essas provas, fica difícil alegar inocência e perseguição política. E a probabilidade de reformar a sentença no Tribunal Regional Federal, em Porto Alegre, é muito perto de zero.
Jaceguay Ribas é advogado e procurador da República aposentado