Todos os dias bem cedo eles estão lá, com o melhor dos sorrisos e nenhuma olheira. Depois do “bom dia” aos telespectadores, os apresentadores dos programas matutinos contam se vai chover e como está o trânsito com um bom humor quase inexplicável para quem está ao vivo antes das 7h. Tanta disposição tem um preço. O dia-a-dia dessa gente é totalmente atípico.

A vida dos “madrugadores” funciona com estratégias: antes de dormir, mais cedo que o restante da família, separam a roupa do próximo dia. Quando ainda está escuro, tomam banho para despertar. O café da manhã fica para depois do telejornal. Antes do almoço, muitos tiram um cochilo.
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Esse é o segredo do pique de Mariana Godoy, 38 anos, há sete nos programas “Bom Dia São Paulo” e “Bom Dia Brasil”. A experiência de acordar diariamente por volta de 4h30 alterou a rotina de mãe e esposa. A parte boa? Mariana pode almoçar com o marido e tem a tarde toda livre para ficar com o filho.

“Mas claro que, com o passar do tempo, fica tudo mais cansativo”, pondera. Para lutar contra o desgaste, o jeito é ir para a cama mais cedo (antes das 22h), tirar o cochilo à tarde e se alimentar bem. Tudo religiosamente. Michelle Loreto, 27 anos, responsável pela previsão do tempo nos telejornais matutinos e do Globo Rural, aprendeu a lição da amiga. “Quando entrei nesse horário, há dois anos, Mariana me deu a dica de que era necessário dormir pelo menos uma hora quando voltamos para casa, às 12h.”

Viva o maquiador!

Quando cede à tentação de um jantar ou qualquer outro passeio noturno, Michelle chega a enxergar defeitinhos no vídeo no dia seguinte – mesmo que ninguém mais note. Contra os sinais da noite mal dormida, conta com um maquiador especialista em apagar olheiras, inchaço e espinhas. O figurino, também da emissora, tenta deixá-las livres da preocupação sobre o que vestir. Mesmo assim, elas procuram escolher a roupa um dia antes.

A repórter Kelly Varraschim, 32 anos, está passando por uma temporada de seis meses no Globo Rural Diário. Para ela, evitar o sono fora de hora tem funcionado. Às 3h30, quando acorda, pensa nos benefícios da profissão para resistir ao mau humor: “O reconhecimento de família, amigos, colegas de trabalho e público dá força para que a gente continue madrugando.”

Mariana Godoy que o diga. Adaptada ao dia que começa e termina em horários estranhos, recebe muitas cartas de senhores e senhoras que não perdem o telejornal. Sem contar os fãs que a reconhecem na rua. “Não penso em mudar de horário. Adoro o programa.”

Renata Vasconcellos, 35 anos, que apresenta o Bom Dia Brasil e reside no Rio de Janeiro, tenta adaptar a vida em casa, com marido e filhos, por ter de despertar sempre às 4h. Sair à noite, por exemplo, está fora de sua rotina. Mas ela vê o lado bom disso tudo: “Acordar antes dos outros não é ruim. É ótimo. Fico sabendo de tudo antes e tenho o prazer de noticiar depois.”

Ainda mais otimista, Alexandre Henderson, 30 anos, adora acordar cedo para gravar o Globo Ciência. No caso dele, porém, muda a rotina de horários: às 5h30 já está de pé, mas, ao contrário das jornalistas das demais atrações globais, não tem hora para terminar o trabalho. “Viajo muito com a produção, e costumamos ir desde cedo até à noite”, fala. Como o horário é um pouco mais maleável, sem remorso Henderson dorme mais tarde e não abre mão de “tomar um prosecco”.

Em todos os casos, morar perto do trabalho é um facilitador. Luciano Faccioli, 41 anos, há três no SP no Ar, da Rede Record, se levanta às 4h30 para chegar à redação na hora. Como o forte da atração é o improviso, Faccioli precisa estar bem desperto e de bom humor. “O que me anima é o retorno do público, que me pára e diz que toma café me assistindo.” Além disso, ele revela: pelo menos um dia na semana tira para dormir mais cedo e acordar com as galinhas – descansado, e de bem com a vida.

A obssessão pela ‘pimeira notícia’

Acordar às 5h em pleno sábado para assistir ao Globo Rural virou hábito para o administrador de empresas Oswaldo Figueredo, 58 anos. Pode parecer estranho para os poucos afeitos ao mundo das fazendas, mas o volume de espectadores que acordam antes de o sol raiar para acompanhar o programa desde o começo é grande: a atração dá 5 pontos de audiência e 41% de share (número de televisores ligados naquele horário) – bom para o horário.

“Gosto de assistir pela apresentação e as notícias”, resume Figueredo. Como ele, muita gente liga a TV para ter acesso a informação e serviço no começo da manhã. “As pessoas contam que esperam eu dizer a previsão do tempo para saber que roupa vão colocar”, conta Michelle Loreto. O hábito do público de esperar pelas notícias do Globo Rural se firmou ao longo dos 30 anos do programa. Só aos domingos, cerca de 7 milhões de telespectadores assistem à atração.

A fidelidade do público faz a faixa das seis e sete horas da manhã ser bem disputada. Faccioli conta que tem se aproximado constantemente dos índices do primeiro lugar, da Globo. Exibido a partir das 6h45, seu telejornal atinge o mesmo público de Bom Dia São Paulo, às 6h30, que dá 8 pontos e 54% de share (médias de janeiro a setembro de 2007). Já o Bom Dia Brasil, que começa às 7h15, rende 9 pontos e 44% de share.

Acima de tudo, útil

Para segurar o público, as atrações priorizam o serviço. Além da previsão do tempo, informações sobre o trânsito na capital e avisos sobre prazos de impostos, por exemplo, ganham destaque. Além disso, informações do dia anterior entram, de preferência, com algum complemento. “Temos uma pauta preparada depois da apresentação do jornal”, conta Mariana. A partir disso, são feitas as reportagens, editadas até a noite. Quando os âncoras chegam à redação, lêem o que vai ser dito, gravam chamadas e textos. “Só precisamos prestar atenção aos nomes complicados, porque como estamos meio sonolentos, corremos mais risco de errar.”

Deus ajuda a quem cedo madruga…

Henderson poderia ser poupado de madrugar, já que a atração não é ao vivo. Mas, como o ritmo de gravação é intenso, quase sempre pula da cama às 5h30 para cair na estrada. Seu maior trunfo, na verdade, são dois: gostar de aproveitar bem o dia e fazer bastante atividade física. Assim, mantém um pique de garoto.

Renata Vasconcellos está sempre impecável ao lado de Renato Machado no ‘Bom Dia Brasil’ – mesmo tão cedo. É que a natureza ajudou: “Temos muito pouco tempo pela manhã e o horário do ‘fechamento’ é apertado. Portanto, a maquiagem é a mais simples possível e a roupa tem que estar separada na noite anterior.” Ela também dorme cedo e evita sair à noite, regalia reservada para os finais de semana.

Faccioli está fora da Rádio Record, mas a maratona do seu dia continua puxada. Bem cedo, ancora o telejornal e depois entra ao vivo com reportagens no ‘Hoje em Dia’. Enquanto negocia com outras emissoras de rádio, o jornalista tenta arrumar um tempo para se cuidar mais, depois do “susto” que levou recentemente ao desmaiar enquanto estava no ar com o telejornal e ser internado por causa da diabete.