BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso suspendeu, em decisão liminar (provisória), uma medida provisória (MP 886) editada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) que devolveu ao Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas depois de o Congresso ter barrado tal iniciativa.


A decisão desta segunda-feira (24) foi no âmbito de três ações ajuizadas no STF —pela Rede Sustentabilidade, pelo PT e pelo PDT— e impõe nova derrota ao governo, que já havia perdido no Congresso.


A liminar deverá ser julgada pelo plenário do Supremo, composto pelos 11 ministros, que poderão referendá-la ou não. Ainda não há, porém, data marcada.


Em nota, a Advocacia-Geral da União disse aguardar essa apreciação “com urgência”. O titular do órgão, André Mendonça, afirmou defender que as ações “tenham prioridade na pauta de julgamentos da corte”.


As ações dos partidos que questionaram a constitucionalidade da MP 886 argumentaram que o governo não pode reeditar medida provisória com o mesmo teor de outra que foi rejeitada pelo Congresso durante a mesma legislatura.


“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria é pacífica, reconhecendo a impossibilidade de tal reedição”, escreveu Barroso.


Os partidos sustentaram que, com a nova medida provisória, da última quarta (19), Bolsonaro tentou reeditar a MP 870, que transferia a competência para a demarcação de terras indígenas da Funai (Fundação Nacional do Índio) para a Agricultura —mudança derrubada no Congresso.


Segundo as legendas, entre outros pontos, a nova MP violou o princípio da separação dos Poderes ao tentar burlar a deliberação do Legislativo e deixou de observar o direito dos povos indígenas, uma vez que o Ministério da Agricultura defende interesses conflitantes com os dos índios.


Na quinta (20), Bolsonaro disse que assumia o bônus e ônus sobre o processo de demarcação de terras indígenas no país. “Quem demarca terra indígena sou eu! Não é ministro. Quem manda sou eu. Nessa questão, entre tantas outras. Eu sou um presidente que assume ônus e bônus”, afirmou.


No sábado (22), o presidente se queixou do que chamou de “superpoderes” do Legislativo. “Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?”, declarou, após contestar projeto que transferiria a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras.


Na sua decisão desta segunda sobre a atribuição para demarcar terras indígenas, Barroso disse que o artigo 62, parágrafo 10, da Constituição de 1988 “veda expressamente a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo”.


“O debate, quanto ao ponto, não pode ser reaberto por nova medida provisória. A se admitir tal situação, não se chegaria jamais a uma decisão definitiva e haveria clara situação de violação ao princípio da separação dos Poderes”, afirmou.


A ação foi distribuída para a relatoria de Barroso por prevenção, porque, na ocasião da primeira MP, o Supremo já havia sido acionado e o ministro foi sorteado para ser o relator das ações sobre o assunto.


Naquela ocasião, Barroso negou pedido de liminar para suspender o texto por considerar que a reestruturação de órgãos da Presidência da República inseria-se na competência discricionária do chefe do Executivo.


No entanto, com a posterior decisão do Parlamento sobre a questão, o ministro entendeu que agora passou a caber uma decisão liminar para suspender a MP contestada.


Publicada no Diário Oficial da União de quarta (19), a MP 886 estabeleceu que constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura a reforma agrária, a regularização fundiária de áreas rurais, a Amazônia Legal, as terras indígenas e as terras quilombolas.


O texto prevê que tais competências incluem “a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas”.


O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) comemorou nas redes sociais a decisão do STF. “Vitória! Nossa liminar para suspender a MP do presidente Bolsonaro, que transferiu para o Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas, foi deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF!”, escreveu.


O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), disse considerar a medida acertada. “Tecnicamente falando. Não pode reeditar [uma MP] no mesmo ano sobre o mesmo tema”, afirmou à reportagem.


A oposição articulava desde a semana passada para barrar o novo texto. Diversos partidos contrários ao governo pediram ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que devolvesse a medida sem que ela fosse analisada.


Além disso, membros da cúpula do Legislativo avaliavam nos bastidores que Bolsonaro sofreria derrota no plenário caso a proposta fosse votada.


Segundo relatos feitos à reportagem, a decisão do ministro do STF irritou o presidente, a quem havia sido garantido pela área jurídica do Palácio do Planalto de que a mudança tinha base legal.


Líderes do governo chegaram a defender a Bolsonaro que mantivesse a decisão do Congresso, mas o presidente insistiu na alteração, sob o argumento de que a medida era uma promessa de campanha.


Até o final do ano passado, 112 terras indígenas aguardavam estudos na Funai com o objetivo de demarcação e outras 42 já haviam sido identificadas e delimitadas, aguardando apenas a decisão do governo para sua demarcação, ou do Ministério da Justiça ou do Planalto.


Indígenas reivindicam outras cerca de 500 terras como de ocupação tradicional.


O VAIVÉM DA MP DE BOLSONARO


Reforma administrativa 


Em janeiro, Bolsonaro editou a MP 870, que reduzia o número de ministérios, propunha mudanças na organização do governo e deixava a cargo da pasta da Agricultura a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas


Congresso 


No fim de maio, ao votar a MP, o Congresso devolveu a competência sobre reforma agrária e terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Justiça, onde estavam anteriormente


Nova MP 


Na semana passada, o governo editou nova MP para reverter a decisão do Congresso


‘Quem manda sou eu’ 


Logo depois de lançar a medida, Bolsonaro disse que ele tinha o poder de decidir sobre terras indígenas e que não iria autorizar novas demarcações


STF 


Nesta terça (24), o ministro Barroso concedeu liminar suspendendo a nova MP por entender que o governo tentou reeditar medida provisória já derrubada no Congresso, o que não é permitido