Em intepretação livre de texto de Machado de Assis, relata-se o prazer e orgulho de serviçais em servir senhores poderosos, ricos, famosos. Não se trata de mero utilitarismo, afinal patrões ricos supostamente pagariam melhores salários, e sim de busca de status por osmose, por contato. Nota-se isso na empáfia e arrogância desmedidas de pessoas que exercem funções subalternas em locais ditos “chiques”; alguém mais humilde, ou menos bem vestido, que ouse entrar em loja ou restaurante luxuoso pode enfrentar os olhares “superiores” de quem o deveria receber, e que jamais será o proprietário ou seu preposto, pois estes têm plena noção de que “pecunia non olet”.

Afinal, usurpar valores e glórias de outrem é mais fácil do que procurar os seus próprios, os romanos imperiais o sabiam e cooptavam elites econômicas e religiosas de países conquistados, concediam-lhes alguns privilégios e procuravam não interferir nas crenças locais, respeitado o princípio de que o que fosse de César lhe fosse dado. Essas elites sentiam-se “romanas”, assumiam hábitos e trajes da metrópole e lhe eram caninamente fiéis, geralmente ocupavam postos menos importantes na administração de seus povos, que eram espoliados mas quase não percebiam, pois ocorria em seu próprio idioma e por seus próprios patrícios. Esta técnica foi, e é, usada por todos os impérios e imperialismos, os ingleses do século XIX se especializaram nela com grande sucesso.  

O maior desejo de muitos que conseguem “ascender” politicamente, financeiramente, socialmente, é serem reconhecidos como participantes natos da classe a que acabam de chegar, disso decorrem comédias tendo como protagonista o “novo rico”, o calouro que desconhece as práticas e os reais valores do grupo tentando mimetizar comportamentos e pensamentos que não são, e não seriam, os seus. No desespero de ocultar sua origem perdem o sentido de quem são.

Um exemplo patético e atual é o do “presidente” da Fundação Cultural Palmares, um dos poucos órgãos oficiais brasileiros dedicado à promoção da cultura afro-brasileira; apesar de negro, assume posições contra os afro-brasileiros e sua cultura, chegando a extremos como fazer críticas racistas a personalidades que orgulham a comunidade negra e aos seus movimentos sociais.

Na atual eleição norte-americana, uma das explicações para o voto atribuído por minorias num candidato mais agressivo quanto aos imigrantes, que foi capaz inclusive de separar crianças de seus pais quando da tentativa de entrar no país, foi o ressentimento daqueles que imigraram com extrema dificuldade em anos anteriores, e atualmente não desejam ver este direito estendido com muita facilidade aos recém-chegados.

É como se estes houvessem já assumido os valores da nova comunidade, naquilo que ela possa ter de bom e de ruim, ou seja, já não se reconhecendo como estrangeiros, porém como nativos daquela nova pátria, com todas as suas idiossincrasias e falta de vontade de compartilhar o estado de bem estar social, evidentemente com receio de que este não seja suficiente para todos.

O que chamamos hoje de “capitães do mato” foram os negros que, durante o período de escravidão, foram os braços e olhos dos donos das terras e sesmarias, perseguindo, delatando, castigando os demais, num processo claro de identificação com os padrões brancos de comportamentos e valores.

Evidentemente esses, gozando da confiança do patrão tinham um padrão de vida mais alto, comendo melhor, vivendo com mais conforto. A identidade com vencedores e chefes tem seus prêmios, embora tenha também seus castigos, mas estes últimos só irão aparecer quando da queda do regime mantido pelo populista/ditador. Ou seja, quanto mais duradouro for o estado de crueldade e desigualdade, maior a vantagem daquele que adere aos dominadores e age como se tivesse se desligado totalmente da origem momentaneamente em descrédito.

Isso acontece em função das características de atribuição de causalidade, ou seja, a forma pela qual as pessoas tendem a assumir causas externas ou internas na tentativa de explicar os acontecimentos com os quais se confrontam, mormente quando estes não são exatamente favoráveis. Todos queremos sucesso, sempre; e as explicações para vitória ou derrota dependem de quatro fatores básicos: dificuldade da empreitada, habilidade, esforço pessoal e, claro, um pouco de sorte. Mas controle sobre a situação parece fundamental, e evidentemente estar ao lado daqueles que ganharam anteriormente, por merecimento ou não, parece nos conferir certa estabilidade, que influencia muito nossas disposições internas.

A influência comunitária, com todos os seus complementos, como a aprovação e o apoio recebido, principalmente hoje nas redes sociais, interfere positivamente em como vemos nossas características pessoais, se somos bonitos, simpáticos, eficientes e competentes. Afinal, o diga com quem andas ainda define muito de como nos vemos.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.