SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O anúncio da libra, moeda digital do Facebook, que entra em funcionamento em 2020, divide o mercado de criptomoedas e recebe críticas na comunidade acadêmica.


De um lado, analistas exaltam pontos positivos endossados pelo próprio Facebook: acesso de pessoas sem conta bancária a um meio de pagamento, como refugiados, praticidade a microempreendedores e popularização do setor de criptomoedas.


De outro, apontam para riscos como falta de garantia à privacidade e monopólio de dados pessoais. A maior preocupação é a dominação econômica sem freios do grupo de Mark Zuckerberg, em especial em países como Brasil, Índia e Indonésia.


Para o pesquisador Harry Halpin, do Instituto Nacional de Pesquisa em Ciência Digital da França, as pessoas sem acesso a bancos podem até achar a libra atraente, mas o token deve solicitar alguma verificação de identidade, o que pode frustrar essa expectativa.


Como a moeda foi desenvolvida para ser mais estável do que outras comuns no mercado (terá paridade com uma cesta de outros ativos), deve chamar atenção de consumidores em países com inflação elevada, como a Venezuela, segundo ele.


“A libra é projetada para não ser volátil como o bitcoin, sua reserva estará em uma mistura de diferentes moedas fiduciárias. Isso significa que, em países como a Venezuela, onde há inflação, será atraente e até mais estável ​​do que a moeda nacional ou mesmo o dólar”, diz.


​Para gerenciar o serviço financeiro, o Facebook criou a subsidiária Calibra. Segundo a companhia, ela “contará com um forte sistema de proteção de dados, para garantir que o dinheiro e informações estejam seguros”.


“Usaremos os mesmos processos de verificação e antifraudes que bancos e cartões de crédito utilizam, e teremos um sistema automatizado que irá detectar e prevenir comportamentos fraudulentos”, afirmou em publicação.


O Facebook também diz que, a não ser em casos específicos, “a Calibra não dividirá informações de conta ou dados financeiros com o Facebook ou nenhum outro terceiro sem o consentimento do cliente”.


Para Halpin, é difícil cravar garantias técnicas nesse aspecto. “Não há garantia técnica de que o Facebook não coletará dados pessoais financeiros. Parceiros como Visa, Mastercard, Uber e Paypal terão acesso aos dados pessoais”, acrescenta.


Outros pesquisadores atentam para a competição com startups financeiras caso o Facebook implemente serviços do tipo no futuro.


“No cenário de consolidação de fintechs, enquanto uma distribui cartão e a outra tenta pegar clientes de bancos antigos, o Facebook chega com uma base imensa. As pessoas têm WhatsApp na mesma proporção que contas na Caixa”, diz Yasodara Córdova, do centro Berkman Klein para internet e sociedade, ligado a Harvard.


Já o setor de criptos enxerga o lançamento com otimismo -com exceção dos mais puristas, que defendem a completa desvinculação de bancos centrais.


“É o primeiro movimento cripto endossado por empresas como Visa e Mastercard. O Facebook é uma máquina de marketing, vai ajudar a popularizar o mercado”, diz Courtnay Guimarães, da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain.


O WeChat, maior aplicativo da China, popularizou o pagamento via celular, mas as contas ainda são vinculadas a um cartão de crédito. Por isso o anúncio do Facebook foi considerado tão inovador pelo setor.


“É importante lembrar que esse movimento não é caracterizado por uma criptomoeda -uma moeda aberta gerenciada por uma rede pública-, trata-se de um token, como o JP Morgan tem o seu”, diz Guimarães.


O Facebook diz que consultará uma grande quantidade de especialistas para assegurar a entrega de um “produto seguro, privado e de fácil uso para todos”. Não há previsão exata para o lançamento no Brasil, mas o grupo deve alcançar o maior número de países que conseguir em 2020.