SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No extremo sul da capital paulista, a campanha eleitoral não ultrapassa a tela da TV e as ondas do rádio.

Sem acesso à internet e isolados aonde não chegam políticos nem políticas públicas, moradores de parte do distrito de Engenheiro Marsilac relatam abandono até nas eleições, época em que candidatos saem às ruas atrás de voto.

“É impossível pesquisar a vida dos candidatos, entender melhor as suas propostas e até desenvolver um senso crítico em relação a eles. O jeito é nos contentarmos com a informação do horário eleitoral pelo rádio e pela TV”, diz o enfermeiro Luís Vieira, 34, líder comunitário do local.

Localizado a 45 km da praça da Sé, Marsilac tem 10.180 habitantes.

Outro problema citado por Vieira é a falta de oportunidade para conhecer de perto os candidatos e mostrar as necessidades da região. Segundo ele, “ninguém aparece nem para fazer campanha política”.

Do ponto de vista de fontes de acesso, as pessoas ficam presas no século 20, afirma o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda.

“Como a TV não disponibiliza muito espaço aos candidatos, eles migram para sites e redes sociais”, diz o especialista. “Eleitores sem acesso às redes sociais estão num patamar mais abaixo do ponto de vista da informação.”

O cardápio de serviços é tão ínfimo quanto o de acesso à informação. Não há comércio, ruas asfaltadas, equipamentos de saúde, espaços culturais, escolas, creches ou transporte.

As pedras que evidenciam a precariedade das vias são o reflexo de só um dos problemas enfrentados pelos 2.000 moradores de Mambu, Ponte Seca e Ponte Alta, regiões do vasto distrito, de 208 km² de área, o maior de SP.

A única linha de ônibus que atende um trecho da Estrada do Mambu sai do município vizinho, Embu-Guaçu, e passa pelo local a cada três horas.

“Nunca nenhum político veio aqui. Não há propostas para melhoria. É um lugar esquecido.” O desabafo da estudante universitária e orientadora socioeducativa Concetta Zavaglia Bastos, 28, é um mantra da população local.

A prova mais difícil é a que ela se submete todos os dias. São cerca de cinco quilômetros para pegar um ônibus que a leve até o bairro Jardim dos Eucaliptos, onde consegue transporte para a faculdade. A estudante diz que os candidatos precisam olhar para a região.

“Somos povo carente, temos dificuldade em todos os sentidos. Sem transporte não há como estudar e trabalhar. Muitos jovens desistem; outros largam a família e vão morar com parentes ou amigos que estão em bairros onde há infraestrutura. Em muitos casos, não há perspectiva de continuar os estudos”, afirma.

Para Paulo Hamilton Siqueira Jr., ex-juiz do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), os moradores da região estão à margem da cidadania.

“Eles não têm acesso às propostas políticas como deveriam e não há interesse por parte dos políticos em visitar essas regiões afastadas e carentes, talvez pela baixa representatividade em relação ao número de votos.”

Para ele, a solução seria implementar o voto distrital, que obrigaria o candidato a se aproximar da população.

“O deputado federal precisa ficar mais perto do eleitor. Geralmente, seu comitê está em área central, longe do distrito que representa. O Brasil é um país atrasado em relação às eleições, do ponto de vista do sistema de representatividade política. Vivemos uma crise. É preciso caminhar muito para mudar. Não só o político, mas o cidadão também”, afirma o ex-juiz Siqueira Jr..

“Lembro que 95% da população não lembra em quem votou na última eleição. É necessário aprimorar a cidadania, verificar e acompanhar o trabalho do político que nos representa”, completa.

Caminhar é o que as pessoas mais fazem por lá. O caseiro João Ferreira dos Santos, 53, enfrenta 24 quilômetros por dia a pé –da casa para o trabalho e vice-versa.

“O povo sofre por falta de conhecimento. Nem nesse momento eles lembram da gente.”

Não importa a idade ou profissão, as pernas são o único meio de locomoção em todas as situações, inclusive para votar ou justificar o voto. Não há zona eleitoral por perto. Para muitos, a mais próxima fica a 10 quilômetros de distância, de acordo com Luís Vieira.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Engenheiro Marsilac tem o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo da cidade de São Paulo, 0,701.

O índice mede a qualidade de vida e o grau de desenvolvimento de uma região sob a perspectiva de fatores como saúde, educação e renda.

A Unidade Básica de Saúde mais próxima está a 14 quilômetros de distância. A única base do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que serve a região é a do Jardim Embura, distante cerca de 10 quilômetros da ponte que liga as estradas Ponte Alta e Mambu.

Para a cientista política Joyce Luz, da Fundação Escola de Sociologia e Política de SP, o maior problema não é o candidato evitar essas regiões, mas a falta de educação política nas escolas e áreas periféricas para ensinar o eleitor a votar com qualidade.

“O Legislativo é o representante do povo. Como escolhemos os candidatos? Pensando nas nossas necessidades”, afirma Joyce. “O problema é que essas pessoas não sabem o que é o Legislativo. De nada adianta a visita do candidato se a população ainda não aprendeu qual é a função dele para a comunidade”, diz ela.