SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu nesta quinta-feira (13), data que marca os 50 anos da edição do AI 5, a advogada Eunice Paiva, um dos símbolos da luta contra as arbitrariedades da ditadura militar no Brasil. Ela tinha 89 anos.

O governo militar instalado no país em 1964 foi marcante na trajetória pessoal de Eunice. Ela era viúva do deputado federal Rubens Paiva, morto por militares em 1971, aos 41 anos. O casal teve cinco filhos: Marcelo Rubens Paiva (escritor e jornalista), Vera Paiva (psicóloga e professora titular da USP), Maria Eliana Paiva (jornalista), Ana Lúcia Paiva (matemática e empresária) e Maria Beatriz Paiva (psicóloga).

Eunice sofria de Alzheimer desde 2004. Com saúde debilitada, foi interditada pelos filhos em 2008. Segundo a família, morreu de causas naturais, em decorrência da doença. O enterro será nesta sexta (14), no Cemitério do Araçá, em São Paulo.

"Morreu uma heroína", afirmou Marcelo Rubens Paiva.

"Foi uma guerreira que reconstruiu a vida após uma tragédia, criou sozinha os cinco filhos. Morreu no dia dos 50 anos do AI 5, o que é muito significativo", disse Vera Paiva.

Rubens e Eunice começaram a namorar quando tinham 17 anos. Ambos eram alunos do Mackenzie, onde Eunice cursou letras.

A ditadura alterou a trajetória da família em abril de 1964, quando Rubens Paiva, eleito deputado federal pelo PTB de São Paulo dois anos antes, teve o mandato cassado e seus direitos políticos suspensos.

Após a edição do Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968, teve início a fase de maior repressão do governo militar. O ato conferia ao presidente poderes quase ilimitados, como fechar o Congresso por tempo indeterminado e cassar mandatos.

Em 20 de janeiro de 1971, agentes secretos da Aeronáutica invadiram a casa do casal, no Rio. Após breve conversa, Rubens Paiva saiu dirigindo seu próprio carro rumo à 3ª Zona Aérea, no aeroporto Santos Dumont. Nunca mais foi visto pela família.

No início da noite, foi levado ao DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), onde morreu, no dia seguinte, após horas de tortura. Relatos apontam que foi provavelmente esquartejado e enterrado na restinga de Marambaia, sob a areia de 42 km de praia que pertence à Marinha do Brasil.

Também no dia 20, Eunice e sua filha Eliana, então com 15 anos, foram levadas para a sede do DOI-Codi do Rio, na Tijuca. Eliana ficou presa por 24 horas, e Eunice, por 12 dias.

Na ocasião, Rubens Paiva foi dado oficialmente como desaparecido. As forças de segurança da ditadura afirmaram que ele teria sido resgatado por terroristas quando era transportado por agentes no Rio.

Eunice contestou a versão e pediu esclarecimentos ao Conselho de Direitos da Pessoa Humana, ligado ao Ministério da Justiça, ao Superior Tribunal Militar e à Justiça Federal. Os pedidos foram negados.

Após a morte, Eunice retomou os estudos e se formou em direito, em 1978. Trabalhou com direitos da família e teve atuação destacada na causa indígena nos anos 1980.

A farsa montada pela ditadura começou a ruir em 1986, quando o médico Amílcar Lobo contou ter examinado o deputado quando ele agonizava no quartel após tortura. Segundo Lobo, Rubens Paiva murmurou o próprio nome duas vezes.

O Estado, entretanto, continuou tratando o deputado como fugitivo até 1995, quando o governo Fernando Henrique Cardoso sancionou lei que reconhecia como mortos os desaparecidos na ditadura.

Em 1996, Eunice conseguiu a certidão de óbito do marido.

"Eu e meus filhos ficamos na dúvida se Rubens estava morto ou não", afirmou na ocasião. "Essa foi a forma de tortura mais violenta que impuseram às famílias dos desaparecidos." políticos."

Parte da história da família foi retratada no livro "Feliz Ano Velho", em que Marcelo Rubens Paiva relata o acidente que o deixou tetraplégico depois de um mergulho em um lago. O livro deu origem a filme homônimo em 1987.