Enrico Casarosa teve muitos momentos de “Silenzio, Bruno!” durante a realização de Luca, novo filme da Pixar, que chega nesta sexta-feira, 18, ao Disney+, com custo extra mesmo para assinantes. A frase é utilizada pelo personagem Alberto (voz original de Jack Dylan Grazer e Pedro Miranda no Brasil) para acalmar seu medo interior e se lançar numa aventura. Era, afinal, seu primeiro longa-metragem, dez anos depois da estreia do curta La Luna, indicado para o Oscar. “Foi assustador”, disse Casarosa em entrevista à imprensa, por videoconferência. Para piorar, com a pandemia, todo o trabalho foi feito remotamente.

Mas Casarosa estava ancorado no seu passado. Como a maioria dos projetos da Pixar, Luca tem elementos autobiográficos. No filme, Luca (voz original de Jacob Tremblay e de Rodrigo Cagiano no Brasil) é um monstro marinho de 13 anos, tímido, inseguro, obediente, vivendo na barra da saia da mãe, que lhe adverte sobre os perigos da superfície. Tirando a parte de ser um monstro marinho, Luca é Enrico. Quando tinha uns 12 anos, Enrico conheceu Alberto, seu oposto: um garoto apaixonado, rebelde, aparentemente destemido. No filme, Luca encontra Alberto e se aventura pela primeira vez na superfície, onde os dois se transformam em meninos, escondendo suas verdadeiras identidades dos humanos, que temem os monstros marinhos. Luca e Alberto ficam amigos da humana Giulia (Emma Berman/Bia Singer), que quer ganhar o triatlo local, dominado pelo arrogante Ercole Visconti (Saverio Raimondo/Caio Guarnieri).

Luca teve a chance de voltar à sua Itália natal, mais precisamente à Riviera Italiana. Casarosa nasceu em Gênova e passava os verões em Portofino e Cinque Terre, que serviram de inspiração para a fictícia Portorosso, uma mescla das cidadezinhas esculpidas entre a montanha e o mar. Foi para lá que parte da equipe da Pixar viajou em 2016 e 2019, conhecendo a família do diretor, comendo os pratos típicos, tomando gelato e pulando de um penhasco diretamente nas águas. Tudo em nome da autenticidade.

Só que, em vez de ambientar a história na década em que cresceu, Casarosa decidiu voltar aos áureos tempos dos 1950 e 1960, quando a música pop e o cinema italianos estavam no auge – e as Vespas eram mais charmosas. “Eu queria escapar dos meiões de futebol dos anos 1980”, brincou o diretor. “Eu também achei que havia uma atemporalidade e uma nostalgia nessa época.” Pipocam na tela referências como A Estrada da Vida, de Federico Fellini, e Divórcio à Italiana, de Pietro Germi, e homenagens a atores como Marcello Mastroianni.

Mas a maior referência cinematográfica de Luca é Hayao Miyazaki. “Eu queria trabalhar com estilização. O filme é sobre um garoto experimentando coisas pela primeira vez, então precisava ter luz e maravilhamento”, disse Casarosa em entrevista ao Estadão. Para a equipe, foi um desafio e tanto, porque a Pixar está acostumada a buscar o naturalismo. O time de efeitos visuais, por exemplo, procurou inspiração não apenas nos filmes em 2D do Studio Ghibli, mas também nas xilogravuras japonesas, conhecidas como ukiyo-e.

Na criação dos personagens e na sua animação, optaram por bocas muito maiores que as comumente utilizadas na Pixar. “É tudo levado pela emoção”, explicou Mike Venturini, supervisor de animação, ao Estadão. Os movimentos podem ser exagerados, com poses engraçadas. Mas há também uma busca por momentos de calma e intimidade. “Se você assiste a um filme de Miyazaki, existem momentos silenciosos em que os personagens apenas desfrutam o ambiente”, explicou Venturini. “Nossos filmes se movem rapidamente, têm muita ação. Mas Enrico queria um pouco mais de lirismo, com os instantes em que Luca está vendo o mundo pela primeira vez.”

O objetivo de Casarosa era falar sobre amizades. Ele tem consciência de que muita gente esperava que este fosse o primeiro filme sobre um relacionamento gay da Pixar. “Mas na verdade é numa idade antes de namorados e namoradas fazerem parte da vida”, explicou. O diretor acredita que o filme é uma metáfora para o se sentir diferente. “Pode ser simplesmente por causa da adolescência, uma época em que todo mundo se sente estranho. Era uma maneira maravilhosa de falar disso e da importância de nos aceitarmos primeiro, mesmo nos sentindo diferentes.” A produtora Andrea Warren concordou. “O filme discute nos mostrarmos por completo e nos autoaceitarmos, assim como a aceitação pela comunidade.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.