Em 1967, Poty Lazzarotto já era um artista renomado, possuidor de um vasto currículo de exposições e participações nos grandes eventos de artes plásticas, tendo acumulada a experiência de ter vivido e estudado na Europa. Na época, uma viagem ao Xingu propiciou ao artista a realização de uma série de excelentes desenhos nos quais a beleza se incorpora às figuras através da simplicidade de traços e meios, haja vista o material que o artista utilizou – um modesto caderno de desenho em papel jornal. Por aí se vê que ao artista verdadeiro não é requerido nem obrigatório o uso de materiais sofisticados, ou em outras palavras: o material não faz o artista.

Este mesmo caderno foi exposto na mostra “Poty Lazzarotto” realizada no Museu Metropolitano de Arte de Curitiba em 1994, numa iniciativa de Orlando Azevedo, diretor de artes visuais da Fundação Cultural de Curitiba na época. Nele se pode constatar o domínio da forma e da técnica do artista. Cada traço ali colocado não poderia ser mais perfeito. A gradação entre as espessuras das linhas, os planos, os contornos, os detalhes da cestaria e cerâmica indígena, principalmente seus motivos geométricos, demonstram o poder de síntese do artista na administração e total controle de sua arte.

O curioso é que tudo parece indicar que o contato de Poty com os indígenas repete em escala menor a antropofagia que o homem branco sofre, quando na simplicidade daquela vida rústica. A tomada de consciência da natureza, a captação da cosmogonia indígena com seus mitos, crendices e lendas vai, a meu ver, influir e penetrar profundamente na obra que se segue, “indianizando” de modo permanente os seus traços, que passam cada vez com maior intensidade a incorporar o aspecto emblemático. Isto pode ser verificado na sucessão dos desenhos executados após esta época, e se evidencia nas cenas de Curitiba.

Como “cronista visual”, Poty resgata uma antologia de protagonistas e cenas de gênero, nas quais insere sua vivência e seu “savoir faire” ao descobrir, analisar e relatar fatos folclóricos e ritualizados do cotidiano. Esta visão “sui generis” e pitoresca é transmitida via uma sólida construção de firmes traços acentuados que se revestem de filigranas e por menores estrategicamente dosados, comprovando o aspecto de “linhas indianizadas”.

A seqüência cronológica de seus desenhos mostra claramente o avanço deste tipo de influência ao longo de sua obra, tendo início em seus esboços realizados naquela viagem ao Xingu junto aos irmãos Villasboas. Naqueles esboços, que se apresentam como independentes das obras que seriam elaboradas mais tarde, são notáveis a integridade, a coerência das linhas, a rapidez e a segurança no processo da sua realização. Mais puros e limpos de detalhes – porque mostram a força da primeira criação – a eles não é dada a qualidade icônica de emblema que surge na obra final, após uma “indianização” de traços. Este processo transforma a obra final na obra telúrica, ligada aos deuses míticos da nossa ancestralidade. Por isso a qualidade sígnica é exacerbada e por este mesmo motivo acontece a imediata acolhida da obra de Poty.  
Cada um de nós ali está – dentro da obra de Poty – em seu sentido mais terreno, e este “insight” nos avisa que nós também somos a obra, através da ancestralidade do ser humano. Igualmente, por este mesmo motivo é que a permanência de sua arte como imagem nos agarra através de nossos aspectos mais íntimos.
Poty era sábio. No silêncio típico de sua personalidade – relembrado como um homem simples e silencioso – Poty nos transforma em multiplicadores de sua arte. O que na verdade, nós somos.

A exposição intitulada “Gravuras – Poty Lazzarotto” pode ser visitada no Museu Oscar Niemeyer até 22 de novembro. Realização da equipe do acervo do museu, tendo à frente Suely Deschermayer. (Rua Mal Hermes, 999 fone 41-3350-4400 ou site: www.museuoscarniemeyer.org.br).