Na última semana a necessidade do fortalecimento da Atenção Básica e, como consequência, a redução do cuidado centrado nos hospitais foi tema de abordagens em veículos de renome nacional. A organização dos serviços por meio de uma “porta de entrada” para qualquer sistema de saúde, seja público ou privado, é uma estratégia bastante racional e inteligente, na medida em que permite ao profissional responsável pelo cuidado estabelecer vínculo com os seus pacientes, conhecendo-os de maneira aprofundada e reduzindo, por consequência, o excesso de procedimentos desnecessários.
Embora a disseminação desse modelo seja relativamente recente no sistema privado, União, Estados e Municípios têm se esforçado há bastante tempo para se estruturar, adequadamente, dessa forma. Entretanto, não é uma tarefa simples, notadamente porque o país possui dimensão continental e inúmeras diferenças regionais. Para que a atenção primária seja efetiva no âmbito do SUS, impõe-se que as equipes profissionais das Unidades Básicas conheçam as peculiaridades dos usuários e território submetidos aos seus cuidados, tais como os dados epidemiológicos que indicarão o plano de ação adequado a ser aplicado em determinada localidade.
Tal desafio demanda cuidadoso planejamento estratégico, sobretudo dos municípios, para traçar as diretrizes aos profissionais de saúde que, por sua vez, também deverão planejar apropriadamente o seu processo de trabalho nas unidades em que exercem suas funções, a fim de remover as barreiras de acesso aos usuários – burocráticas, culturais e geográficas, por exemplo –, aumentando a taxa de resolutividade da atenção primária e diminuindo os encaminhamentos desnecessários, e ajudando a resolver um dos maiores gargalos do sistema, qual seja, as enormes filas para consultas especializadas.
Na esteira da necessidade de aperfeiçoamento da estrutura da atenção primária nos municípios, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná tem realizado, desde 2017, auditorias operacionais de modo a levantar os pontos de vulnerabilidade dos sistemas municipais, recomendando boas práticas de gestão para a melhoria do acesso resolutivo à atenção básica. Essas fiscalizações não têm caráter punitivo. A sua finalidade precípua é avaliar a qualidade dos serviços prestados à população, captando informações relevantes a respeito de sua organização e identificando questões que, se modificadas, teriam impacto relevante na prestação dos serviços.
Em suma, o Tribunal de Contas atua como indutor de boas práticas de gestão pública, além de contribuir para a disseminação de informações relevantes à população, acerca dos serviços públicos prestados. Isso não diminui a importância das fiscalizações sobre a legalidade dos gastos públicos, pois são formas complementares de atuação do órgão de controle externo. Nesse sentido, o Tribunal de Contas tem se apresentado como um importante parceiro para o desenvolvimento institucional do SUS. Os impactos da melhoria do acesso à atenção básica produzidos pelas recomendações serão sentidos em poucos anos, com a facilitação de marcação de consultas com dias e horários específicos, evitando as filas ocasionadas pela destruição de senhas – situação comumente encontrada – e promovendo territorialização adequada e gestão apropriada dos dados levantados pelas equipes de saúde.
Conclui-se, portanto, que se até mesmo a iniciativa privada tem procurado adotar a estratégia de organização mediante porta de entrada, tal como ocorre há anos no sistema público, como afirmado no início, deve-se reconhecer que o SUS muito tem a ensinar. Mas não se pode esquecer que se trata de um sistema ainda não concluído, merecendo atenção de todos – poder público e sociedade.
Fernando Matheus da Silva é analista jurídico de controle externo do TCE-PR desde 2013 e membro da equipe que fiscaliza o acesso à Atenção Básica em Saúde desde 2017