Estávamos as meninas e eu na primeira galeria, daquela lateralzinha do Theatro Municipal, assistindo a um concerto lindíssimo ontem, quando eu tomei um susto enorme, dos que te fazem dar até um meio salto sentada, sabe? Eram quase cem músicos no palco e, a essa altura, somente o piano e os demais instrumentos de corda haviam tocado. O susto se deu com a primeira chegada do prato. Eu não esperava um prato, não tinha visto ainda o rapaz, seríssimo e bem novinho que o segurava na última linha de músicos lá atrás.

Eu sempre amei o prato. Estudei no interior de Pernambuco em uma escola que desfilava todos os anos, no dia da independência, no centro da cidade. O que hoje não faz o menor sentido, era um evento esperadíssimo pelos alunos do Dom Expedito Lopes naquela época. O objetivo de todo mundo, naturalmente, era ser a baliza. Mas como só havia uma baliza e era preciso certa destreza para ocupar esse lugar, nossa esperança era entrar para a banda, segurar a faixa da escola, ou as flores (!) que seguiam a faixa. Eu nunca fui baliza, mas no último ano do ensino fundamental, toquei o prato na banda, de luvas brancas. Que incrível as luvas brancas. Posso quase sentir o tecidinho macio das luvas que não me serviram à perfeição – eram mínimas –, mas foram, talvez, o acessório que usei com mais orgulho até aqui.

Pois o dono dos pratos do municipal não usava luvas, mas tocava o instrumento com uma precisão tão bonita de se ver, que era quase como se o prato necessitasse de luvas para encostar nas suas mãos. Da hora do susto até o fim do concerto foram exatas 23 batidas. E exatas é uma palavra ótima para descrever o que ele fazia. Eu não pude olhar para nenhum outro lugar se não a última fileira de músicos. Ele ficava ali, sentadinho, esperando suas entradas, e à medida que se aproximava o momento de tocar, ia levantando com calma, se concentrando, segurava e prato e ia. O seu fazer já era sozinho um espetáculo. Que bonito saber qual é o seu momento, usá-lo como se deve, parar para escutar o momento do outro, fazer parte de um todo que sem seu barulho segue, mas com ele se torna maior. Entre a menina do quinto ano nas ruas de Garanhuns e ele, um mundo de distância, entre a mesma menina e eu, dois ou três mundos. No entanto, nos encontramos os três no último domingo, parte do mesmo intervalo de tempo, da mesma música. Que susto!

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