A luminária que costuma estar virada para a mesa de estudos, apontava na direção oposta. A cadeira, habituada ao peso leve e aos períodos curtos de uso da dona do quarto, estranhava a mãe, ali sentada, concentrada em sua tarefa. À sua frente, no chão, com o foco de luz sobre os cabelos, a menina esperava pacientemente, cabecinha baixa mirando o taco de madeira, e pensava alto: “Mãe, será que quando você encontra duas lêndeas, uma ao lado da outra, é a mãe lêndea procurando uma minilêndea na cabeça da filha lêndea?”. A mãe riu comovida e respondeu como quem quer ouvir mais: “Será?”.

Não há mãe que resista à refação da cena maternal na fala dos filhos. Ela diz de uma comprovação do valor da parceria. Quem procurava a minilêndea não era um papai, uma vovó, uma titia lêndea. Era a mamãe lêndea quem abraçava a tarefa (e que tarefa!). Pois bem, a mãe da cena estava ainda mergulhada na sua própria fantasia de única capaz de proteger, confortar, dar conta da cria, quando a menina aproveitou o ‘será?’ para encompridar a conversa.

“E se a gente for uma dupla de piolhos pequeninhos, quase duas lêndeas em uma cabeça enorme de um bicho que a gente nem sabe que existe? Já pensou mãe, a gente aqui se achando incrível e esperto? Não seria engraçado?”. Da comoção, a mãe passou para o espanto. Não era a cena maternal que estava em jogo, longe disso. Era o existir e toda a sua relatividade. Quem pensamos que somos? Em que lado da cena estamos? Qual é o nosso tamanho? Que bicho enorme e desconhecido é esse, capaz de nos arrancar uma da outra a qualquer momento? Capaz de nos arrancar, as duas, da vida a qualquer momento?

Sim minha gente, não é uma conversa qualquer não. E digo mais, sei exatamente o que você, como fez a mãe, está fazendo agora. É mesmo de se coçar a cabeça. Boa semana queridos.

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