Franklin de Freitas – No “novo normal”

A pandemia do novo coronavírus, você já sabe, provocou mudanças profundas na rotina das pessoas. O uso de máscara e a necessidade de distanciamento social são, provavelmente, as faces mais evidentes dessas mudanças, mas estão longe de ser as únicas. No setor funerário, por exemplo, o processo de luto passou por uma transformação profunda, com as despedidas póstumas ganhando novos rituais, que envolvem até transmissões online para familiares e amigos distantes.

Em Curitiba, um prédio erguido na Avenida Kennedy, com cerca de 2 mil metros quadrados, pode ser considerado uma espécie de símbolo de algumas dessas transformações, ao menos das que vieram para ficar no que se tem chamado de ‘novo normal’. Construído para atender diferentes formas de homenagem, o Memorial Luto Curitiba começou a ser estudado anos atrás, em 2017, e demandou cerca de R$ 8 milhões de investimento até ficar pronto. Com previsão de começar a funcionar no final deste mês, o espaço conta com cerca de 2 mil metros quadrados, que se distribuem em hall de entrada, cinco salas de velório com jardins privativos, estacionamento coberto com manobrista e área gourmet.

Segundo Luís Henrique Kuminek, diretor da Luto Curitiba, a crise sanitária acabou ocasionando a realização de velórios mais curtos (com cerca de quatro horas de duração, caso a pessoa não tenha sido vítima da Covid-19, que aí é ainda mais rápida a despedida), sepultamentos mais rápidos (geralmente no mesmo dia do velório) e também com a participação de menos pessoas nessas despedidas, para evitar aglomerações.

Algumas dessas mudanças acabaram virando tendência, como a participação das pessoas à distância. Outras, como as despedidas mais curtas, devem ser alteradas na medida em que a sociedade possa volta a algo mais próximo do que se poderia chamar de normalidade.

“Temos hoje uma tendência de despedidas cada vez mais rápidas, sem a presença das pessoas, e isso não é saudável para o psicológico das pessoas. Queremos usar essa estrutura, que tem bastante conforto, infraestrutura, para devolver para as pessoas essa rotina”, diz Kuminek. “Essa coisa da participação das pessoas à distância, por outro lado, é algo que veio para ficar. Pessoas que não podem comparecer, podem enviar homenagem, acender vela virtual, mandar coroa de flores virtual… São tendências de digitalização, de virtualização. É algo que veio para ficar”, emenda.

Mais conforto e possibilidade até de customização

Outro diferencial do Memorial Luto Curitiba e que segue uma tendência no mundo é a possibilidade de personalização das cerimônias, o que vem no sentido de dar um significado individual para as despedidas. Hoje, por exemplo, é comum a exibição de vídeos nos velórios ou o uso de bandeiras do time do coração para expressar a saudade em forma de homenagem. Enquanto algumas famílias são mais reservadas, outras gostam de confraternizar, contar histórias.

“Não podemos mais impor um modelo de cerimônia, mas facilitar que cada um se manifeste conforme suas preferências e crenças”, descata Kuminek, contando que o Memorial oferece um sistema de vídeo wall com wi-fi nas salas de velório para transmissões ao vivo das cerimônias. “Empresas têm auditórios fixos, telão, show de luzes, pirotecnia, e a cerimônia é um pacote que é vendido, tudo definido pela empresa. Queremos entregar algo mais personalizado, dentro da vontade da família, para que a cerimônia tenha um significado mais pessoal. Não temos um auditório pronto, fixo. Todos os móveis podemos colocar, tirar, mudar de lugar”, destaca.

Pandemia prejudicou o processo do luto

No que diz respeito às despedidas, o cenário mais grave e preocupante em meio à pandemia diz respeito justamente à situação de pessoas acometidas pela doença pandêmica. Nessas situação, não há velório, mas apenas uma despedidas de aproximadamente 20 minutos no cemitério, instantes antes do sepultamento. Há um cenário, portanto, no qual as pessoas se vão, mas seus familiares não conseguem se despedir, de fato.

“Como efeito, o que tivemos foi uma aceleração desse processo de luto que eu acho que vai aumentar muito a incidência do que os psicólogos chamam de luto não processado, tem uma espécie de arrependimento por não se despedir direito do seu ente querido, passar por aquele momento, fazer sua oração, sua despedida”, afirma Luís Henrique Kuminek. “O luto é um processo em que a pessoa vai aceitando isso, aquilo vai se tornando parte da vida dela até ela conseguir dar sequência na vida. Isso é um processo, leva determinado tempo para acontecer, e quando impede que as pessoas façam a despedida, as orações, se encontrem para conversar sobre esse acontecimento, vejam o falecido no caixão, isso vai dificultando esse processo de elaboração do luto.”

“O velório de amanhã, acho que cabe a nós como profissionais não deixar que essa normalidade de agora seja permanente, que não é a coisa mais saudável.
Passa tão rápido, quatro horas é muito pouco tempo [para se despedir de um ente querido]. Não dá nem pra pessoa entender o que está acontecendo. Temos a expectativa de, na medida em que a pandemia vá terminando e a vacinação avance, que a gente possa voltar ao normal, se reunir, participar.
Esperamos que essa questão da duração [dos velórios] volte ao normal e aí tem inúmeras possibilidades, desde coisas mais tecnológicas com vídeo e música, ou uma cerimônia mais pessoal, só com os familiares”

Luís Henrique Kuminek, diretor da Luto Curitiba