Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O Brasil fechou mais uma vez no vermelho em 2017. Pelo quarto ano consecutivo as despesas do governo federal superaram as receitas (impostos e tributos), com um déficit primário acumulado de R$ 417,5 bilhões – valor que não inclui os gastos do governo com juros da dívida pública, o que significa que o rombo real foi ainda maior. Para 2018, a meta fiscal prevê um saldo negativo de R$ 159 bilhões.

Para conter o avanço da dívida pública* – que cresceu 166,9% nos últimos 10 anos, alcançando o montante de R$ 3,55 trilhões, segundo informações do Tesouro Nacional -, o governo federal apresentou à Câmara dos Deputados em 15 de junho de 2016, cerca de um mês após Michel Temer assumir interinamente a Presidência da República, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que instituiu o chamado Novo Regime Fiscal, cujo intuito é limitar o crescimento das despesas do governo.

Aprovada em outubro de 2016 na Câmara com 359 votos a favor e 116 contrários e em dezembro do mesmo ano no Senado com um placar de 53 a 16 (numa das vitórias mais expressivas do governo Temer), a medida determina que por 20 anos os gastos federais só poderão aumentar de acordo com a inflação acumulada em 12 meses, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Assim, em 2018 a inflação usada foi a medida entre julho de 2016 e junho de 2017 e assim por diante. A partir do décimo ano o presidente da República poderá rever o critério uma vez a cada mandato presidencial, enviando um projeto de lei complementar ao Congresso Nacional.

Para a base governista, a Emenda é fundamental para garantir o reequilíbrio das contas públicas do país, uma vez que os gastos públicos cresceram continuamente desde 1991, em termos reais acima do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, com o novo regime fiscal seria possível reduzir as taxas de juros, criando um ambiente propício à retomada do crescimento econômico.

Críticos à medida, por outro lado, apontam que o congelamento dos gastos públicos por 20 anos deve representar um corte de investimentos em áreas consideradas fundamentais, como a Saúde e a Educação. Alguns exemplos recentes, inclusive, reforçam esse argumento: depois de a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) alertar que poderá ter de cortar quase 200 mil bolsas de estudo em 2019 por conta da falta de dinheiro, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) avisaram que a redução no repasse de recursos para as instituições no próximo ano ameaça os investimentos em pesquisa no país.

O cenário, inclusive, não chega a surpreender. Em relatório divulgado em 2016, o Ministério da Fazenda já apontava ser “perceptível que o espaço fiscal foi se reduzindo ao longo dos anos (2007-2015) e a maior parte do crescimento da despesa ocorreu nas despesas obrigatórias.” Desta forma, com o tempo, foi se tornando cada vez mais difícil que o orçamento pudesse se adequar às circunstâncias conjunturais da economia e às mudanças estruturais necessárias.

Em 2017, o nível de engessamento do Orçamento bateu recorde e chegou a 93,7% do total de despesas, o equivalente a 18,3% do PIB. Em 2001, a rigidez orçamentária correspondia a 85,6% das despesas. Entre os gastos obrigatórios estão a folha de pagamento do funcionalismo e benefícios previdenciários.

Com efeito, quanto maior a participação das despesas obrigatórias e/ou não contingenciáveis no orçamento, mais difícil adequá-lo à realidade econômica e, ao mesmo tempo, prestar serviços públicos com mais qualidade. Nesse contexto, as adequações tendem a ocorrer a partir da redução dos investimentos públicos, o que produz custos econômicos elevados e não se mostra sustentável no tempo”, diz o Ministério da Fazenda no Relatório de Análise Econômica dos Gastos Públicos Federais.

* Importante destacar que o valor da dívida pública é a soma dos juros devidos em cima dos títulos públicos e dos novos empréstimos contraídos a cada ano para cobrir o déficit primário do governo

 

O que dizem os críticos e os apoiadores da medida
 

Argumentos Favoráveis

Argumentos Contrários

Coloca uma trava para a expansão do gasto público, cujo crescimento é insustentável

Diagnóstico equivocado do problema fiscal, cuja questão principal seria relacionada à forte queda da arrecadação e ao aumento do gasto com a dívida

Deve fazer com que aos poucos a dívida pública caia, garantindo sustentabilidade financeira ao país

Estrangula investimentos, principalmente na área social. Como as despesas obrigatórias tendem a crescer, outras áreas devem acabar ficando sem recursos nos próximos anos

Considerado pelo próprio governo o primeiro passo para a recuperação econômica do país, a medida também poderia abrir espaço para a redução das taxas de juros no Brasil

Prazo de duração muito longo e sem flexibilização. Projeto favorecia a ideia de um Estado mínimo, algo não referendado nas urnas

Com uma medida de longo prazo, governo evitaria tomar medidas mais drásticas, como aumentar os impostos e cortar despesas, o que poderia fazer aumentar o nível de desemprego

Outras medidas, como uma reforma tributária com aumento da carga de impostos cobradas dos mais ricos, poderiam ser melhores e menos dolorosas

Governantes terão de direcionar de maneira mais planejada os gastos públicos, podendo ser punidos caso descumpram a lei

Com investimentos estrangulados e a capacidade de investimento do Estado reduzida, a retomada do crescimento econômico tende a ser ainda mais lenta

 

Principais mudanças com a lei

→ Limite anual de despesas
Com o objetivo de limitar o crescimento das despesas do governo, a medida fixa para os três Poderes, incluindo Ministério Público e Defensoria Pública da União, um limite anual de despesas válido por 20 anos. A ideia do governo é tentar reequilibrar as contas públicas nos próximos anos e impedir que a dívida do setor público aumente ainda mais.

→ Para quem vale o teto
A regra vale tanto para gastos do Executivo quanto para despesas do Senado, Câmara, Tribunal de Contas da União, Ministério Público da União (MPU), Conselho do MPU, Defensoria Pública, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Conselho Nacional de Justiça e justiças do Trabalho, Federal, Militar, Eleitoral e do Distrito Federal e Territórios.

→ Como é calculado o limite de gastos
Segundo a medida, o governo e as demais esferas do setor público poderão gastar o mesmo valor que foi gasto no ano anterior, corrigido apenas pela inflação. A inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), é a desvalorização do dinheiro, ou seja, quanto ele perde de poder de compra num determinado período – que no caso será de 12 meses, medido entre julho e junho do período anterior (no caso de 2018, por exemplo, a inflação usada foi a colhida entre julho de 2016 e junho de 2017).
 

Alterações só a partir do décimo ano
O presidente da República pode propor um projeto de lei complementar para alterar, a partir do décimo ano de vigência do novo regime fiscal, o método de correção dos limites de cada grupo de órgão ou poder. O texto permite apenas uma alteração do método de correção por mandato presidencial.

Punições em caso de descumprimento

Caso o limite de crescimento de gastos seja descumprido, Poderes ou órgãos a eles vinculados ficarão impedidos no exercício seguinte de: reajustar salários, contratar pessoal, fazer concursos públicos (exceto para reposição de vacância) e criar novas despesas até que os gastos retornem ao limite previsto pela PEC. No caso do Poder Executivo, o descumprimento resultará em proibição de criar ou expandir programas e linhas de financiamento ou o perdão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que causem ampliação de despesas com subsídios e subvenções, além do impedimento em conceder ou ampliar incentivo ou benefício de natureza tributária.

→ O que ficou de fora
Ficarão fora dos limites, entre outros casos, as transferências constitucionais a estados e municípios, os créditos extraordinários para calamidade pública, as despesas para realização de eleições e os gastos com aumento de capital das chamadas empresas estatais não dependentes.

→ Impacto sobre o salário mínimo
No relatório apresentado à comissão especial que analisou a PEC na Câmara, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) afirmou em seu parecer que a proposta prevê que o salário mínimo, referência para mais de 48 milhões de pessoas, deixará de ter aumento real, aquele acima da inflação se o governo ultrapassar o limite de despesas, ou seja, gastar mais do que o fixado na lei.