
A cidade de Araucária deve registrar em média uma morte por dia até o final do mês de julho em consequência da Covid-19 e relacionada aos serviços de parada de manutenção da refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), sediada no munícipio da região metropolitana de Curitiba. A estimativa é da “Nota Técnica COVID-19: Avaliação de risco para Araucária, no estado do Paraná”, emitida nesta quinta-feira (05) por grupo de pesquisadores científicos do INPA e UFMG, entre outras instituições.
O procedimento industrial foi iniciado na última segunda-feira (12) e deve adicionar mais dois mil trabalhadores à rotina da unidade, sendo pelo menos metade vindo de outras regiões do país. “O fluxo de pessoas que se estima receber de outros estados e municípios em Araucária para a parada de manutenção realizada pela Petrobras tende a propiciar maior circulação viral, que resultará na média de cerca de uma morte por dia até o final de julho, sendo que para todo o mês de junho, pode-se esperar pelo menos 35 mortes”, aponta trecho da Nota Técnica.
Para chegar aos números, que na totalidade ultrapassam os cem óbitos, os pesquisadores utilizaram uma análise de risco com base em previsões a partir de modelos SEIR (Susceptíveis – Expostos – Infectados – Recuperados). Foi com base nesse método que algumas cidades têm evitado colapsos do sistema de saúde e salvado vidas. “Exemplo disso é Curitiba, que adotou medidas restritivas entre o período 13 de março a 04 de abril, se guiando por recomendações de uma nota técnica que utilizou o modelo SEIR, o que evitou que a terceira onda atingisse uma proporção quatro vezes maior que a primeira e segunda ondas vivenciadas pela capital paranaense. O modelo SEIRS de reavaliação de Curitiba apontou que mais de 1500 vidas foram salvas pelo isolamento social empregado no município”, destaca a análise.
Os mesmos pesquisadores realizaram um estudo semelhante sobre Manaus, com o uso do modelo SEIRS, quatro meses antes da segunda onda na capital do Amazonas, no qual alertou ao poder público local sobre a tragédia que estava por vir. Porém, as medidas recomendadas não foram adotadas pelo município.
Os perigos, alerta o estudo sobre Araucária, não estão restritos ao município. “Realizar tal manutenção neste momento da pandemia representa um risco para toda a população de Araucária, como também para a grande Curitiba e municípios vizinhos, uma vez que a pandemia em Curitiba não sofreu recrudescimento adequado atingindo limiares de controle, e apresenta capacidade máxima de ocupação das UTIs. Potencialmente, existe risco para todo o estado do Paraná”.
Sobre as potenciais vítimas, a Nota Técnica aponta os trabalhadores da parada, com o agravante de envolver “risco de transmissão cruzada de diferentes variantes, dado que se estima receber pessoas de vários estados com circulação de variantes que atualmente não circulam no Paraná. Dessa forma, destaca-se o risco de disseminação ampla das seguintes variantes P.1 (Manaus); P.2 (Rio de Janeiro); B.1.1.28 (Distrito Federal); B.1.1.7 (Inglaterra); B.1.1.143; B.1.235 e B.1.1.94”.
Com recomendações de contenção de danos da parada de manutenção da Repar, o estudo sugere a postergação do procedimento até a “imunização via vacina de 70% de toda população de Araucária, no limiar de imunidade de rebanho. A permanência de pessoas exógenas no município, neste momento da pandemia, pode aumentar os níveis de transmissão e disseminação de variantes do SARS-CoV-2 não registradas no estado, de forma que se recomenda que pessoas de fora não permaneçam no município esperando retomada das atividades, uma vez que se poderia demorar meses para que a imunização da população seja atingida nos limiares de segurança para tal”.
A equipe científica responsável pelo estudo de Araucária reúne pesquisadores do Instituto de Pesquisa da Amazônia (INPA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), além de uma pesquisadora aposentada do Butantan.
Preocupados com a vida dos trabalhadores e da comunidade de Araucária, os petroleiros da Repar deflagraram greve sanitária na última segunda-feira (12). A principal reivindicação é a postergação da parada de manutenção até que a pandemia involua e os sistema de saúde apresente níveis seguros de capacidade de atendimento à população.
O movimento grevista começou após as mortes de três trabalhadores dos serviços de pré-manutenção da refinaria por consequência da Covid-19.
Posicionamento da Petrobras
A Petrobras afirmou em nota encaminhada à redação do Bem Paraná que é responsável por prover serviços essenciais, como o fornecimento de combustíveis e energia que abastecem ambulâncias, hospitais e veículos de carga e transporte. “Por isso, vem adotando medidas para proteger a saúde dos seus colaboradores, mitigar a propagação do vírus na companhia e assegurar a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis à sociedade brasileira. As paradas são realizadas com atendimento aos protocolos do ministério da saúde e os diversos protocolos internos de Petrobras, dentre eles a utilização de máscaras de proteção, adequação dos ambientes e meios de transporte para facilitar o distanciamento social, reforço das ações de limpeza e higienização de ambientes e equipamentos, fornecimento abundante de álcool em gel para limpeza das mãos e medição de temperatura diariamente em todos os trabalhadores antes da entrada na refinaria, assim como ações de conscientização. Além disso, são realizados testes rápidos em 100% dos candidatos apresentados pelas contratadas antes de ingressarem na refinaria que são repetidos a cada 14 dias em todo contingente, promovendo o afastamento quando necessário”, diz a a Petrobras.
Segundo a nota, as paradas de manutenção são rotinas obrigatórias para garantia da segurança nas operações das refinarias. e atendem as normas de segurança nacionais e internacionais, que preveem prazo máximo para realização dessas intervenções: “Considerando as análises de cenário da pandemia de Covid-19 e em pleno atendimento às especificações técnicas, a Petrobras postergou diversas paradas de refinarias previstas para 2020. No entanto, por questões de segurança e confiabilidade operacional das instalações, não é possível realizar adiamentos indiscriminados das paradas de manutenção”.
A parada programada de manutenção da Repar, inicialmente prevista para março de 2020 e que começou no último dia 12 de abril, foi dividida em duas etapas, com a manutenção de equipamentos e unidades sendo realizada de forma escalonada. “O período de duração da parada de manutenção foi ampliado de forma a diminuir a quantidade de trabalhadores a serem mobilizados para realização das atividades, reduzindo assim a concentração de pessoas”, afirma a empresa na nota.