BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A decisão do Senado paraguaio de rejeitar um projeto de aumento de imposto sobre o cigarro reacendeu o debate sobre como esse desequilíbrio tributário agrava o contrabando do produto ao Brasil e sobre que outras medidas poderiam ser adotadas para conter o problema.


A diferença entre os impostos incidentes sobre o cigarro no Paraguai e no Brasil é expressiva: aqui, partem de 71% e podem chegar a 90%, dependendo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços); no país vizinho, a alíquota é de 18%.


O projeto rejeitado no país vizinho previa a elevação para uma faixa de 30% a 40%.


No Senado paraguaio, venceu a pressão do grupo ligado ao ex-presidente Horacio Cartes, dono da Tabesa, a maior produtora de cigarro do Paraguai.


“Não vou acompanhar projetos de lei contra uma pessoa, nesse caso essa pessoa se chama Horacio Cartes”, disse o senador Juan Carlos Galaverna na sessão de 17 de maio.


A manutenção da baixa alíquota no Paraguai é vista como preocupante por Edson Vismona, presidente do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial). “Não é possível a gente ter essa situação de um produtor de cigarros enorme, com mais de oito fábricas, pagando imposto baixíssimo no seu país, e esse cigarro chegar ao Brasil sem pagar nenhum imposto”, critica.


No Brasil, o cigarro tem preço mínimo fixado em R$ 5. O produto contrabandeado é vendido por R$ 3, atingindo um público de renda menor.


Uma forma de equalizar a situação e não descumprir a convenção-quadro da OMS (Organização Mundial da Saúde) para controle do cigarro, que determina o aumento do imposto, seria promover uma redistribuição da carga tributária, diz o presidente do Etco.


Assim, os produtos premium, mais caros, teriam a alíquota elevada, enquanto os mais baratos, consumidos pelos mais pobres, sofreriam redução do imposto. “As fábricas brasileiras teriam condições, dentro da legalidade, de terem um preço mais competitivo contra o contrabando.”


Atacar o problema somente pelo viés tributário é visto com ressalvas por especialistas da área. O economista Roberto Iglesias, por exemplo, vê limitações no modelo.


“Estão propondo cortar imposto em um mercado em que o ilegal se ajusta ao preço legal, porque tem possibilidade de fazer isso. Quanto tem que baixar o imposto para alcançar o ilegal? É impossível. Pelos meus cálculos, isso não existe”,afirma.


“Não há como reduzir o imposto para chegar ao nível do Paraguai. E diminuir o imposto ainda reduziria a arrecadação num momento em que o país precisa de receita.”


Para ele, uma das formas de resolver a questão seria intensificando a pressão e negociando com o país vizinho. Dessa forma, seria possível formalizar parte da produção paraguaia que, hoje, entra no país sem pagar imposto.


Se legalizar a entrada desse produto, além de arrecadar com impostos de importação, o governo poderia cobrar o mesmo preço mínimo exigido do cigarro nacional.


“O preço mínimo é uma forma de proteção. Entre fumar um cigarro paraguaio e um da Souza Cruz por R$ 5, o consumidor vai fumar o Souza Cruz”, diz o economista.


Há uma janela de oportunidade para que as negociações bilaterais ocorram, diz Iglesias. Segundo ele, durante as administrações dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, havia menos abertura para debater o tema com o país vizinho.


“As coisas mudaram a partir do governo de Michel Temer, e o tema de contrabando ganhou outra consideração, com preocupação com proteção na fronteira. Há mais disposição.”


Do lado paraguaio, também houve uma mudança de clima, avalia Vismona. “O governo Cartes rechaçava qualquer iniciativa de discutir questões de contrabando por motivos óbvios, ele é o fabricante. Com o novo presidente [Mario Abdo Benítez], abriu-se essa possibilidade. Hoje, o tema é colocado na agenda bilateral, já é um avanço.”


Enquanto os dois países não chegam a um denominador comum, outras medidas deveriam ser estudadas para conter o problema, incluindo o reforço da fiscalização das fronteiras priorizado por Temer.


Esse ponto tem que ser estudado com cuidado, para que um aumento das ações em um estado não seja compensado por uma intensificação da atividade dos contrabandistas em outro, adverte Rodolfo Tamanaha, professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Brasília.


“É preciso articular ações conjuntas. Senão fica aquela mentalidade do [presidente dos EUA, Donald] Trump de levantar o muro [na fronteira com o México]. Não tem como fazer o muro do Trump. Tem que trabalhar na interlocução com países transfronteiriços”, afirma.


“Se começa a ter uma região mais repressiva no Sul, o contrabandista vai para o Norte.”


A contabilidade favorece o contrabandista, ressalta. Há um cálculo que indica que, se 3 de 6 caminhões com produto ilegal forem apreendidos, o criminoso ainda pode ter lucro, por causa da margem elevada que consegue repassar ao consumidor.


“O contrabandista é um business man, tem uma visão de onde quer que seu produto chegue. Para combater isso, é repressão, são medidas educativas, mas também medidas econômicas”, diz Tamanaha. “O elemento econômico é fundamental lá na ponta, no consumidor.”