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O recrudescimento do neonazismo mundo afora é um fato, ao ponto de o secretário-geral da ONU, António Guterres,  ter alertado no começo deste ano sobre a “normalização do ódio” e a crescente influência desses grupos extremistas e de suas mensagens em movimentos e partidos políticos tradicionais. E o Paraná não foge à regra, destacando-se como o quarto estado com maior presença de neonazistas no Brasil. 

É o que revela o trabalho da pesquisadora Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que há 16 anos  mapeia grupos neonazistas que atuam na internet e também no mundo não virtual. Segundo ela, a região Sul concentra aproximadamente 105 mil neonazistas, sendo que cerca de 18 mil estariam presentes no Paraná — apenas os estados vizinhos de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo apresentarim uma profusão maior e em todo o país existiriam cerca de 300 células desses grupos extremistas.

O levantamento da antropóloga mapeou o número de internautas que baixam arquivos de sites neonazistas, considerando como simpatizantes aqueles que já fizeram mais de 100 downloads. Como o estudo foi feito em 2013, contudo, é bem possível que os números já tenham crescido.

No ano passado, por exemplo, a Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), em São Paulo, chegou a anunciar que havia identificado uma movimentação acima do normal de grupos neonazistas. Além disso, como apontou em entrevista recente Adriana Dias, o extremismo historicamente se aproveita da paranoia social para crescer, como vem ocorrendo em todo o mundo e como era a Alemanha do pós I Guerra Mundial, que abriu as portas para Hitler.

“Essas lideranças têm grande capacidade de se comunicar com a massa, principalmente se a massa estiver ressentida por viver em anos de dificuldade e restrições”, disse a pesquisadora em entrevista recente.

Depois da 2ª Guerra Mundial, muitos fugiram para o Cone Sul
Há alguns anos atrás, um grupo de peritos da central alemã para investigação de crimes do nacional-socialismo identificaram mais de 400 nomes de suspeitos no Arquivo Nacional, do Itamaraty. O grupo, que investiga o paradeiro de nazistas que teriam deixado a Alemanha após o final da 2ª Guerra Mundial, identificou ainda o Paraná como o estado campeão em indícios, segundo informou Uwe Steintz, encarregado da investigação brasileira, em entrevista à Deutsche Welle (DW) Brasil.

De acordo com Steiz, um fato curioso é que não só no Brasil, mas em outros países do Cone Sul muitos alemães, mesmo os de ficha suja, acabaram contribuindo significativamente para a economia da região. Um dos homens descobertos no Paraná, por exemplo, fez parte de um grupo de extermínio que matava milhares de pessoas por dia na Europa Oriental. No Brasil, viveu muito bem no setor agrícola até morrer no final do século passado.

“Muitos não cometeram crimes antes ou depois da Segunda Guerra. Chegaram, se estabeleceram, transformaram-se em fazendeiros, homens de negócios e ajudaram o desenvolvimento. Viveram longamente ao apagar o passado da memória, pois não eram capazes de conviver com o peso dos crimes que cometeram”, observou Steinz.

Casos marcantes e recentes em território paranaense
Um dos maiores especialistas no assunto neonazista, o delegado Paulo César Jardim, da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, estima que desde 2005 foram feitos “entre 40 e 50 indiciamentos” por crimes relacionados a neonazistas. Em geral, os processos aguardam julgamento ou foram concluídos com penas alternativas, sendo que a maioria dos indiciados tem entre 17 e 30 anos de idade e acredita na ideia da oxigenação sócial e na pureza da raça.

Nos últimos anos, inclusive, o Paraná ganhou as manchetes em algumas ocasiões por conta de episódios com neonazistas. Em 2009, por exemplo, Bernardo Dayrell Pedroso e Renata Waechter Ferreira foram executados friamente às margens da rodovia BR-116, em Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). O casal foi morto após participar de uma festa que supostamente celebrava os 120 anos do nascimento de Adolf Hitler.

Já no final de 2015, grupos extremistas chegaram a marcar um congresso de fundação de um novo partido intitulado Frente Nacionalista, de inspiração fascista. O congresso acabou sendo cancelado após a repercussão da notícia e denúncias por parte de ativistas de movimentos em defesa de minorias de que o evento traria a capital paranaense skin heads e grupos neonazistas. 

Embora o evento tenha sido cancelado, houveram na época relatos de abordagem por parte de neonazistas e o risco de agressões contra negros, homossexuais e mulheres que participam ativamente do movimento feminista. No Brasil, fabricar, comercializar, distribuir ou veicular, símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo pode resultar em reclusão de dois a cinco anos e multa. 

Também, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional pode resultar em uma pena de um a três anos e multa. Já o racismo é crime sem direito a fiança.