Reprodução – Theresa May

PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Na maior derrota de um governo na história do Reino Unido, o Parlamento do país rechaçou nesta terça-feira (15) o acordo sobre a saída britânica da União Europeia.

Votaram contra 432 legisladores. Só 202 endossaram o texto. Ou seja, a primeira-ministra Theresa May perdeu por uma diferença de 230 votos – a margem recorde até aqui era de 166 votos, em 1924.

Imediatamente após o anúncio do resultado, o líder da oposição Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista, anunciou ter submetido à Casa uma moção de desconfiança no governo May, a ser debatida nesta quarta (16).

É improvável, porém, que a manobra receba o apoio de um contingente expressivo de aliados de May. Muitos conservadores desaprovam os termos definidos por Londres e Bruxelas (sede da governança europeia) para o “brexit”, mas não chancelariam a derrubada de seu próprio governo.

Mais cedo, Corbyn afirmara que, caso a proposta de May fosse derrubada, a possibilidade de reabrir as negociações com a UE não poderia e não deveria ser descartada.

Diante do revés, a líder conservadora disse que a votação revelou o que o Parlamento não quer, mas não indicou a preferência sobre o caminho a seguir. Ela afirmou que irá se reunir com membros de várias bancadas para identificar um “plano B” que goze de sustentação suficiente, o qual será levado a autoridades da UE.

O roteiro para o “brexit”, que consumiu 17 meses de tratativas, fixa a separação para 29 de março deste ano. O Reino Unido está na UE desde 1973.

“A cada dia que passa sem que essa questão seja resolvida, cresce a incerteza, a amargura e o rancor”, disse May. “O governo ouviu o que o Parlamento afirmou hoje, mas peço a todos nesta Casa que ouçam o povo britânico, que deseja a resolução dessa pendência.”

Em comunicado, o presidente da Comissão Europeia (braço Executivo do bloco), Jean-Claude Juncker, disse que “o tempo está quase se esgotando” e urgiu o Reino Unido a “clarificar suas intenções o mais rápido possível”. “O risco de um desligamento desordenado aumentou nesta noite.”

O próprio Juncker e outros líderes da UE já tinham negado a possibilidade de editar o documento finalizado em novembro passado. O que foi acertado não mudará.

O grande pomo da discórdia do acordo é o “backstop”, dispositivo para evitar a retomada de checagens de mercadorias e pessoas na fronteira entre as Irlandas após o “brexit”.

O documento prevê a criação de uma união aduaneira temporária englobando Europa e Reino Unido, se as partes não chegarem à reta final do período de transição (julho de 2020) com um acordo de livre-comércio que mantenha a divisa aberta, como é hoje.

Os detratores veem no mecanismo uma “armadilha” europeia para manter os britânicos presos a regulações da UE por tempo indeterminado, o que contraria justamente o “grito de liberdade” que, segundo eles, a maioria que votou pelo “leave” (sair) soltou no plebiscito de junho de 2016.

Nas últimas semanas, o Parlamento aumentou seu poder para influenciar na condução do “brexit” se o texto do governo fosse rechaçado.

Encurtou o prazo para a apresentação de um “plano B” por May para três sessões (ela confirmou nesta terça que voltará ao plenário até segunda-feira). Além disso, buscou colocar obstáculos na rota de um “brexit” sem acordo, o “no deal” que o gabinete conservador vinha alardeando como itinerário natural caso o acordo não recebesse sinal verde.

Não está claro o que acontece com o processo de separação britânica da UE ou com o status de May. Se a moção de censura a seu governo passar pelo Parlamento, algo difícil de imaginar, o Partido Conservador teria duas semanas para emplacar um substituto (que também passaria por um voto de confiança) ou tentar reverter a rejeição a May. Poderiam participar outros partidos.

Não havendo adesão suficiente a um nome, eleições gerais seriam convocadas. É a esse cenário que o trabalhista Jeremy Corbyn quer conduzir, apesar da pressão de alas de sua legenda para, em lugar disso, estimular um novo plebiscito sobre o “brexit”.

Nas fileiras de seu partido, May não pode ser desafiada formalmente antes de dezembro – no mês passado, sobreviveu a uma contestação interna por uma margem relativamente confortável, o que lhe deu “imunidade” de um ano. Em último caso, poderia ser convencida por correligionários a passar o bastão, mas seu misto de obstinação e resiliência fragilizam tal conjectura.

Possibilidades mais realistas incluem um adiamento da separação, que precisaria, ser aprovado pelos outros 27 membros da UE. Segundo a imprensa inglesa, a governança europeia já acenou com esse “bônus”, que poderia arrastar o processo por ao menos mais três meses.

Outra saída seria abdicar completamente do “brexit”, o que Londres pode fazer unilateralmente, desde que antes de 29 de março.

Dito isso, o mais provável é que, como a própria sinalizou, May tente reabrir as conversas com líderes europeus para extrair novas concessões. O jornal The Sun noticiou na terça que a chanceler alemã, Angela Merkel, disse em conversa no domingo (13) com a líder britânica que “a UE poderia fazer mais quando a votação passasse, já que o ‘no deal’ seria um desastre para os dois lados”. Berlim desmentiu o teor da reportagem. Nada de novo foi prometido, informou a equipe de Merkel.