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O abalo provocado pelo novo coronavírus na economia brasileira rompe com os avanços previstos antes da pandemia. Com a crise, a urgência em se reerguer pode alavancar práticas como o reaproveitamento de materiais para evitar gastos desnecessários. Um estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sugere que a produção de máscaras de tecido é um dos exemplos de uma redefinição dos ciclos de produção tradicionais. O trabalho foi publicado na revista Brazilian Journal of Health Review.

Há um ano, Aline Simonato produz roupas autorais em seu ateliê, em Curitiba. Após um mês sem vender nenhuma peça, os retalhos de tecido agora dão origem às máscaras que garantem a renda durante a crise. “Os retalhos não serviam para fazer uma peça completa. Comecei produzindo algumas unidades para ONGs que arrecadam dinheiro para animais em abrigos”, conta Aline, que divulga os produtos feitos com material reaproveitado em um perfil no Instagram.

O movimento feito pela microempreendedora se enquadra na chamada economia circular, que se caracteriza por um consumo sustentável que rompe com o ciclo de produção em massa. Pautado no consumo reduzido, esse modelo adota medidas como a recuperação e a reutilização de materiais.

O trabalho de pesquisadores da UFPR mostra que apesar de a economia circular ainda estar longe de ser realidade no mundo todo, seja por políticas que barram sua aplicação ou pelo desinteresse de organizações industriais em adotar novos modelos de produção, o cenário de crise causado pela Covid-19 pode acelerar inovações no setor. “A adoção da economia circular depende de atores públicos, privados, da sociedade civil organizada, entre outros. A pandemia tem mostrado o que há de melhor em nós: nossa humanidade e natureza em querer ajudar o próximo”, contextualiza o professor Harrison Corrêa, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFPR, um dos autores do estudo.

Inspirada em uma produção independente, Aline avalia as vantagens do uso de tecido para a confecção de máscaras. “Uma máscara de tecido pode durar meses, enquanto a descartável dura no máximo alguns dias. Acredito que as máscaras de tecido contribuem para um consumo mais consciente”, explica.

Apesar do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) verificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ser obrigatório nos ambientes hospitalares, as máscaras de tecido são uma solução rápida e acessível para quem não é profissional de saúde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Não são, obviamente, itens para ambientes altamente contagiosos. Mas que procuram atender aos requisitos da OMS para usuários que não sejam profissionais de saúde”, explica o professor Harrison.

Reaproveitamento de materiais no combate à Covid-19

O artigo “Poderia a crise pandêmica por Covid-19 estimular práticas de economia circular? Uma breve reflexão” destaca que a união de esforços no combate à pandemia pode despertar novas oportunidades. “Podemos ver sinais de uma reinvenção nos setores de alimentação e educação, além da confecção de máscaras não certificadas. Esta pausa é um momento positivo para repensarmos sobre o consumo abusivo e fútil”, avalia Daniela Gallon Corrêa, outra autora do artigo e doutoranda em Educação Física pela UFPR. Daniela também faz parte do Esquadrão de Saúde do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta) de Curitiba, órgão ligado à Força Aérea Brasileira.

A pesquisa teve como base práticas da economia circular noticiadas nos veículos de imprensa, principalmente na fabricação de EPIs alternativos para suprir a demanda dos profissionais de saúde. Com base nos exemplos vistos em alguns hospitais brasileiros, o professor Harrison valoriza o reuso dos materiais. “Isso permite que materiais antes destinados à disposição e descarte, muitas vezes de modo inapropriado, possam ser reutilizados. Nesse caso, para construção dos EPIs”.

Na UFPR, projetos também atuam na produção de EPIs para suprir as demandas dos profissionais de saúde. Laboratórios dos diferentes campi da Universidade participam de uma ação integrada para a impressão em 3D de protetores faciais de acrílico. Os equipamentos são indispensáveis para as equipes de saúde que fazem parte da linha de frente no combate ao coronavírus.

O grupo “Médicos de Máquinas”, do curso de especialização em Engenharia da Manutenção 4.0, faz o reparo de respiradores que estão fora de operação. São 200 voluntários que se revezam para recuperar os equipamentos, imprescindíveis para o tratamento de casos graves da Covid-19. Os hospitais que possuem respiradores inoperantes e que precisam de conserto podem entrar em contato pelo telefone (41) 98445-6711 ou pelo e-mail [email protected].

Polímeros para reutilizar máscaras descartáveis

Enquanto uma máscara de tecido pode ser lavada com os cuidados recomendados e reutilizada, máscaras descartáveis vão para o lixo após um dia de uso. O pesquisador Harrison também discorre sobre como a reutilização das máscaras resultou em novas discussões sobre a readequação desses produtos. “O estímulo ao uso de máscaras reutilizáveis reduz o descarte inadequado de EPIs com ciclo de vida mais curto. Sobre os níveis de proteção, estudos sobre o desenvolvimento de novos EPIs com maior sobrevida mostram resultados animadores”, avalia.

O destaque fica por conta do uso dos polímeros para revestir máscaras descartáveis, por exemplo. Os polímeros são compostos químicos que dão origem a produtos como o acrílico utilizado em barreiras sanitárias e o PVC, comum na produção de tubos e conexões. O uso desse revestimento faz com que o EPI possa ser limpo e reutilizado, além de torná-lo mais resistente.

Apesar dos avanços, o professor alerta que esses equipamentos não podem ter um ciclo de vida muito longo. “Essa camada extra de proteção faz com que o material possa ser limpo e reutilizado. Mas, é claro, ainda com vida útil reduzida”, conclui o pesquisador, que também teve um artigo relacionado ao uso dos polímeros publicado na revista Frontiers in Materials.