Divulgação UFPR

Pessoas que estão trabalhando de casa forçadas pela quarentena encontram-se mais sobrecarregadas e em um ritmo mais acelerado. Em contrapartida, a flexibilidade no horário e não precisar enfrentar o trânsito no deslocamento são os pontos positivos da modalidade. É o que revela uma pesquisa realizada pelo Grupo Estudo Trabalho e Sociedade (GETS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com a Rede de Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir).

O estudo, que teve o objetivo de compreender as condições gerais dos trabalhadores e a adaptação quanto à mudança do trabalho presencial para o trabalho remoto em razão da crise causada pela covid-19, alcançou cerca de mil respostas de profissionais dos mais diferentes segmentos, categorias e funções, contemplando, na maior parte, trabalhadores do setor público (65,12%) e com alto nível de escolaridade da cidade de Curitiba.

O aumento considerável de dias e horas de trabalho durante a pandemia foi um dos aspectos constatados nos resultados da pesquisa. Do total de trabalhadores entrevistados, 34,44% estão exercendo suas atividades laborais por mais de oito horas diárias, isso é mais que o dobro de pessoas que antes adotavam essa prática, e 17,77% trabalham os sete dias da semana. Para quase metade dos respondentes (48,45%), o ritmo de trabalho ficou mais acelerado no home office.

Giovanni Allam Taborda, analista de tecnologia da informação, não participou da pesquisa, mas também está em home office desde o início de março. Ele conta que tem passado mais horas trabalhando desde que iniciou na modalidade, pois as demandas têm chegado por diversos canais diferentes. “Além dos meios oficiais, chegam tarefas por e-mail e aplicativos de mensagem. Como trabalho na área de redes, os solicitantes geralmente precisam de uma resposta rápida”. Para ele, a atuação profissional agora está mais voltada a cumprir metas e demandas, do que apenas cumprir o horário de serviço.

A maior dificuldade apontada pelos entrevistados, nesse contexto, foi a falta de contato com os colegas de trabalho (60,55%), seguida pelo número de interrupções (54,59%) e dificuldade em separar a vida familiar da vida profissional (52,91%). Sendo que a maioria (61,15%) afirmou ter experimentado alguma dificuldade ao executar o trabalho remotamente. Nesse quesito as pessoas puderam marcar mais de uma alternativa.

Apesar da falta de contato presencial, Taborda revela que no caso dele a comunicação com os colegas melhorou, pois agora são realizadas reuniões de equipe toda semana. “Não era uma prática comum na unidade e agora virou rotina. Cada um descreve o que fez no período e as dificuldades enfrentadas. Tentamos nos ajudar nos desafios e problemas que aparecem”.

Por outro lado, a flexibilidade de horários (69,09%), não enfrentar trânsito (66,23%) e a menor preocupação com a aparência (58,61%) foram citadas como facilidades dessa forma de trabalho.  Também nessa questão os respondentes tinham a possibilidade de assinalar mais do que um aspecto.

A grande maioria (87,2%) considera a qualidade do trabalho presencial melhor ou igual ao trabalho desenvolvido remotamente. Em aspectos gerais, 48,34% dos trabalhadores afirmaram que a modalidade possui tanto pontos positivos quanto negativos.

Reflexões

O resultado da pesquisa revela questões relativas a um perfil profissional que pode ser enquadrado no extrato de classe média superior, já que engloba, em sua maioria, servidores públicos, professores e pessoas de elevada escolaridade. Para a coordenadora da pesquisa e professora de Sociologia, Maria Aparecida da Cruz Bridi, as dificuldades e facilidades da modalidade não podem ser vistas de forma homogênea. “As mulheres, por exemplo, aparecem como mais impactadas pelo trabalho remoto do que os homens”.

De acordo com a pesquisadora, o trabalho a distância consolida e amplia, de forma contundente, a invasão profissional na vida das pessoas e no seu ambiente privado. “Surgiram pessoas querendo estabelecer regras de etiqueta para o trabalho remoto, impondo formas de se vestir e de se apresentar em uma reunião on-line, por exemplo. Na prática, isso significa regular o indivíduo dentro de sua casa. É a empresa estendendo-se ao ambiente privado do trabalhador e o trabalhador colocando a serviço da empresa seu espaço, sua casa. Qual a pertinência de escolas ou empresas regularem os comportamentos dos indivíduos dentro de suas casas? São questões a serem aprofundadas em novas pesquisas”.

Nem todos os trabalhos podem ser executados a distância e por isso o estudo aponta quais são as atividades que realmente estão sendo realizadas remotamente. Os dados abrem uma nova agenda de pesquisa, pois o impacto nos vários setores econômicos está sendo sentido agora e será sentido ainda no período pós-pandemia.

Futuro

Para quase metade dos entrevistados (47,91%), o trabalho remoto não é uma preferência, ainda que parte deles tenha a possibilidade de continuar na modalidade quando o período de isolamento deixar de ser necessário. Contudo, 40,29% dos respondentes afirmam que gostariam de permanecer trabalhando remotamente.  Na análise dos pesquisadores, o fato de a maioria não demonstrar interesse em permanecer nesse modelo se deve às dificuldades impostas por ele ou ao interesse das pessoas em preservar seus espaços privados e não misturar vida profissional com vida particular.

O analista de tecnologia da informação aponta um formato híbrido como o ideal. “Eu gostaria de continuar trabalhando remotamente, mas não o tempo todo. Quem sabe uns três dias por semana. Percebo que o convívio diário com meus colegas, sair para trabalhar, bater papo e observar novos ambientes faz muito bem tanto para a produtividade profissional, quanto para o psicológico”.

A socióloga avalia que, apesar de não ter como prever como será o trabalho pós-pandemia, o sentimento de dependência mútua e os laços podem ser fortalecidos. “Considerando o peso que a não interação com os colegas – uma dimensão clássica do sentido do trabalho –, a falta de conexão a espaços públicos, a disciplina exigida e o maior tempo gasto nas atividades remotas teve nas respostas, acreditamos que haverá uma satisfação e talvez até um novo sentido nas relações entre os trabalhadores dentro das organizações”, complementa.

Relatos

A pesquisa também apresentou uma questão aberta, na qual o respondente poderia relatar sua experiência de trabalho remoto no contexto de pandemia. Confira alguns depoimentos.

“Anteriormente, estive em trabalho remoto e só vi benefícios. Porém, na atual conjuntura, durante o dia inteiro preciso me dividir com as tarefas de casa, preparar refeições para todos os familiares, educação dos filhos e cuidados com os filhos. Não sobra tempo para mim, sinto-me esgotada e preciso trabalhar aos finais de semana para dar conta da carga de trabalho, já que durante a semana preciso atender a prole e sou frequentemente interrompida. O nível de estresse está elevado, pois como se não bastasse o panorama mundial atual e as preocupações com a saúde da família, os filhos cobram mais atenção. Eles reclamam que antes eu trabalhava somente durante a semana e agora trabalho todos os dias. Sinto que não consigo focar em nenhuma das atividades de modo adequado.” 

Mulher. Entrevista Pesquisa Trabalho remoto no contexto da pandemia Covid 19, 2020

“Muitos não estavam preparados para trabalhar remotamente, seja por falta de ferramentas para exercer suas funções ou até pela falta de costume em realizar atividades em casa. Dessa maneira, boa parte das minhas funções foram reduzidas, já que o suporte aos usuários também foi. A adequação do espaço de trabalho é, ao meu ver, o fator que mais dificulta o trabalho remoto. Uma vez estabelecidos os procedimentos, organizadas as ferramentas de trabalho e o tempo de trabalho,  torna-se simples realizá-lo. É muito comum, durante esse período de adequação, extrapolarmos o tempo de trabalho ou exercer as atividades em horários e dias incomuns, já que fica difícil separar quando se está no trabalho ou não.” 

Homem. Entrevista Pesquisa Trabalho Remoto no Contexto da pandemia Covid 19, 2020

Webinar e resultados

Os envolvidos no estudo promoverão um webinar para apresentação detalhada dos resultados e comentários a respeito do tema. A conferência acontecerá no dia 17 de julho, às 10h, por meio do canal do Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade (GETS) na plataforma YouTube.

A pesquisa foi realizada pela coordenadora do GETS, Maria Aparecida Bridi; pelos membros da equipe Fernanda Ribas Bohler, Alexandre Pilan Zanoni, Mariana Bettega Braunert, Kelen Aparecida Bernardo, Fernanda Landolfi Maia, Zélia Freiberger; Giovana Uehara Bezerra (Unicamp); e contou, ainda, com o apoio e parceria do Remir.