Num tempo de censura e estupidez, dois grandes artistas ousaram cantar: […] talvez o mundo não seja pequeno / nem seja a vida um fato consumado / quero inventar o meu próprio pecado / quero morrer do meu próprio veneno […].

Tantos anos passados e ainda se preconiza certa inevitabilidade, como se nascimento fosse destino, como se o não sabido não pudesse ser aprendido, como se habilidades não pudessem ser adquiridas. Esta prática começa nas famílias, nas vizinhanças, e tem sequência, infelizmente, no sistema educacional onde se exercita muitas vezes a comparação social; revelada até mesmo na sutileza de levar estudantes a se confrontarem com outros, em diferentes níveis de preparo e momento de vida, resultando não raramente em exagerados acréscimos e decréscimos de autoestima.

Muitos pais, na excelente intenção de corrigir e estimular seus filhos, fazem críticas ou elogios em excesso, procedimentos que, na maior parte das vezes, levam crianças e adolescentes a uma autoimagem defeituosa, positiva ou negativa e sem relação com a realidade. Esses jovens podem desenvolver a ideia de que suas deficiências ou eficiências são imutáveis, devidas a alguma espécie de dom divino, não passíveis de melhoria ou sujeitas a perda.

Em sala de aula, ou mesmo em casa frente aos irmãos, a criança percebe claramente quem são os ganhadores e perdedores quando os adultos criam um clima de competição. Evidentemente o mundo do trabalho é sim competitivo, mas isso só acontece após o término da formação — ou pelo menos só deveria acontecer nesta ocasião em países nos quais estudantes podem completar seus estudos sem necessidade de trabalhar prematuramente; no período em que se pode criar boas motivações para melhores rendimentos cognitivos.

Cristalizar a ideia lamentavelmente compartilhada por muitos de que alguns são capazes e outros não, reduzirá a eficácia daqueles que se percebem em desvantagem, que desistem de tentar enquanto a condição socioambiental se mantiver a mesma.

Uma característica predominante dos aprendizes ativos, ou seja, aqueles aptos a gerenciar a si mesmos de maneira flexível, controlando sua própria predisposição a esta ou aquela disciplina (nem todos gostam de tudo), é o estabelecimento de metas pessoais, orientando esforços para atingi-las, monitorando tendências e prazeres com os possíveis resultados. Isso amplia o arsenal das estratégias cognitivas, até mesmo a de abandonar alguma atividade que possamos constatar não atender a real aptidão; se não é possível recusar uma disciplina constante do currículo mínimo, é sempre possível escolher uma profissão na qual ela não seja essencial.

Alunos autorregulados costumam ser dinâmicos na sua aprendizagem, confiam na sua eficácia e, portanto, engajam-se com maior facilidade em atividades que representem desafio. Como não são perdedores natos, correm o risco de ganhar, e normalmente isso tem reflexos positivos no desempenho, pois são capazes do esforço sustentado para atingir seus objetivos. Escolher um curso de ação depende do estabelecimento de estratégias, e estas exigem autoconhecimento, nem senso de derrota antecipada, nem confiança cega em sua própria capacidade.

Aplicar tempo e empenho na resolução de problemas, pessoais ou escolares, não desistir facilmente diante dos obstáculos que inevitavelmente surgem, não capitular diante de alguns fracassos, são condições para cumprimento da maior parte de nossas tarefas. Iniciar este esforço com autoconfiança, sem exageros quanto ao sucesso ou insucesso, é condição para perseverança e uma boa performance. A vida não está pronta, nós a fazemos passo a passo.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.