Henry Milleo – Toni e David ju00e1 tu00eam uniu00e3o estu00e1vel e tru00eas filhos

Após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República e a possibilidade de o pastor evangélico Magno Malta (PR-ES) assumir um “Ministério da Família”, casais gays manifestaram preocupação relacionada à suposta necessidade de antecipar casamentos para este ano para pregar direito à união estável e ao casamento civil conquistado pelos LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

Uma campanha na internet, que inclui debates de ativistas, levanta o temor de que o direito seja dissolvido a partir do próximo governo. Parte da euforia foi motivada pela declaração da presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Maria Berenice Dias, que recomendou aos casais que “corram aos cartórios!”.

Ao constatar o fênomeno, a comunidade simpatisante impulsionou uma corrente nas redes sociais em que as pessoas se propõem a “trabalhar” de graça nos preparativos das cerimônias. “Trabalho de graça no seu casamento LGBT até o final do ano”, diz a corrente. Em seguida, quem adere ao movimento escreve o que pode oferecer como ajuda.

O advogado Jonas Freitas, por exemplo, se propõe a dar apoio jurídico para as questões cartorárias e burocráticas; e esclarecimentos quanto ao procedimento, regime de bens e assuntos correlatos. “Sou advogado criminalista, porém atuo isoladamente em casos de Direito de Família e não pouparei esforços para auxiliar a comunidade”, diz.

Freitas reconhece que não uma proposta clara do governo eleito e que a alteração demandaria alto desgaste para ser levada a cabo. “Eu compartilhei o ‘post corrente’ sobre as uniões homoafetivas e, claro, tenho lido críticas, dizendo que “não é bem assim”, “isso não depende do executivo e sim do legislativo”, “o Bolsonaro não decide isso sozinho”, conclui o advogado militante.

Em Curitiba, um ícone nacional do ativismo LGBT, o professor Toni Reis, de maneira mais simbólica do que planejada, também marcou casamento com seu parceiro de quase 30 anos, David Harrard. Toni e David já tem união estável reconhecida, além de três filhos adotados legalmente. O casal marcou a cerimônia de casamento civil para o dia 8 de dezembro. “Temos esse clima, por recomendação da OAB, a doutora Berenice Dias disse que há uma possibilidade de o governo eleito revogar o direito conquistado no Supremo Tribunal. Eu vejo que vai ser muito difícil. Mas, na dúvida, acho melhor assegurar o direito”, previne Toni Reis.

Menos burocrática, a união estável exige apenas cópias de documentos pessoais (RG e CPF) dos noivos e uma taxa de em torno de R$ 150,00 em Curitiba. “Eu só tinha contrado de união marital, depois nós fizemos a união estável. Eu quero a certeza, então decidimos casar antes o processo. Vamos fazer o ‘troca-troca’ do nome. O David vai ser David Harrad Reis e eu serei Toni Harrad Reis. Nossas três crianças já são Harrad Reis. Vamos nos transformar, realmente, na ‘família tradicional gay brasileira’. Como nós vamos ter ministério da família, agora com os documentos, casados no cartório, e também na igreja anglicana, queremos todos os direitos”, enfatisa Toni Reis.

O casal também marcou casamento religioso. “Eu sou católico e não posso casar na igreja católica porque a gente tem que respeitar os dogmas de cara religião. Mas David é anglicano e como por uma questão política a igreja anglicana se separou da Igreja Católica nós vamos fazer o casamento na anglicana que foi muito bacana”, comemora.

Casais LGBTs ganharam direito em 2013

Os casais LGBTs só tiveram direito à união estável no país em 2011 quando o Supremo Tribunal Federal (STF) anaisou regra do Código Civil e entendeu que família não era formada apenas pela união de um homem e uma mulher. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estendeu o benefício e mandou os cartórios celebrarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

O Brasil registrou 1.070.376 casamentos civis em 2017, sendo 5.887 deles entre pessoas do mesmo sexo. O total de casamentos diminuiu 2,3% em relação ao ano de 2016, enquanto os casamentos entre pessoas do mesmo sexo cresceram 10% no mesmo período.

Apesar do temor recente, não há nas propostas do futuro governo o fim do casamento homoafetivo. A preocupação, no entanto, encontra respaldo nas declarações de Bolsonaro. Em 2013, por exemplo, logo após o CNJ mandar os cartórios oficializarem casamentos de pessoas do mesmo sexo, o então deputado contestou a medida. “Está bem claro na Constituição: a união familiar é [entre] um homem e uma mulher. Essas decisões só vêm solapar a unidade familiar, os valores familiares. Vai jogar tudo isso por terra”, disse Bolsonaro.

Os LGBTs citam um dos aliados de Bolsonaro, o senador Magno Malta, como um dos grandes entusiastas pelo fim do casamento gay. Malta não se reelegeu neste ano, mas é cotado como ministro de Bolsonaro. Ele é autor de um projeto de lei que prevê a suspensão do benefício concedido pelo CNJ. Em 1º de novembro, o Senado abriu votação online para a população. Atualização desta semana mostra que a maioria dos votantes (428.163) apoiava o casamento entre pessoas de mesmo sexo, e 28.540 eram contra. O projeto aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Só com aprovação no Congresso o casamento gay pode virar lei.

Cartórios não vêem motivo para ‘correria’

Para o presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg-PR), Angelo Volpi Neto, não há motivo para correria. “Não tem nada de movimento. Não tem fundamento nenhum. O que tem é uma curva que já vem aumentando de antes”, explica. Segundo ele, mesmo antes de haver casamento homoafetivo, a união estável já era celebrada e hoje os direitos “são praticamente os mesmos. “(Para mudar) tem que mexer na constituição. Quem vai fazer isso a essa altura? 

De 2010 até dezembro de 2018, os cartórios do Paraná realizaram 1161 celebrações de união estável, entre as realizadas e as agendadas para o final deste ano, segundo a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec), a pedido do jornal Bem Paraná.  

O número de casamentos é um pouco menor. Desde 2011, segundo dados do Instituto de Registro Civil de Pessoas Naturais do Paraná (Irpen), o Estado teve 737 casamentos homoafetivos. Desses 427 foram entre mulheres e 310 entre homens. Em Curitiba foram 257 casamentos homoafetivos (138 masculinos e 119 femininos) de 2011 a outubro de 2018.

Entre setembro e dezembro de 2017 foram 132 casamentos homoafetivos realizados em cartórios do Paraná. Neste ano, entre os já realizados e os marcados até o fim do ano, são 52 até agora. Em Curitiba,  em 2017 foram 30 nesses quatro meses; e 19 em 2018.

Números
União estável homoafetiva no Paraná
2010    34
2011    61
2012    96
2013    173
2014    149
2015    153
2016    157
2017    164
2018    174

Casamento homoafetivo no Paraná
2011    1
2012    4
2013    4
2014    7
2015    7
2016    55
2017    376
2018    283 até novembro.