NAIEF HADDAD
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O escritor cubano Leonardo Padura, 61, falou sobre literatura, história e política na noite desta quarta (23), no teatro Santander, em São Paulo. O autor do romance “O Homem que Amava os Cachorros” (ed. Boitempo), que já vendeu 75 mil exemplares no Brasil, participou do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento.
“Precisamos refundar a utopia”, afirmou ele ao ser perguntado sobre as ações de viés fascista em ascensão nos Estados Unidos e em outros países.
Na primeira parte do evento, o mais celebrado autor do país caribenho discorreu sobre a influência da insularidade sobre a cultura cubana, especialmente a literatura. Depois, ele respondeu às questões do público e da repórter da Folha de S.Paulo Fernanda Mena.
“Não cabe a mim, que não sou político nem economista, encontrar uma saída [para os conflitos políticos]. Mas o fato é que, com o perdão da palavra, estamos vivendo em um mundo de merda.”
Padura foi aplaudido pela primeira vez pelo público do teatro ao criticar o presidente dos EUA, Donald Trump. “Quando me deparo com a cara de anormal do Trump, eu me pergunto: em que mundo estamos vivendo?”
Como havia feito em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada na última segunda (21), o romancista comentou as relações entre Cuba e EUA na gestão Trump. Segundo Padura, ainda não foram colocadas em prática as medidas anunciadas por Trump em junho, que proíbem algumas transações comerciais entre os países e impõem restrições para as viagens de americanos à ilha do Caribe.
De qualquer modo, afirmou ele, “tem crescido o temor entre os cubanos [sobre o futuro das relações entre os dois países]”.
Ao ser questionado sobre o grau de liberdade que ele gostaria de ver em seu país, que vive sob uma ditadura, comandada por Raúl Castro, Padura disse sonhar com uma sociedade em que haja total liberdade de pensamento, tema desenvolvido por ele em “Hereges”, outro dos seus livros lançados no Brasil.
Embora fale sobre questões políticas em entrevistas e eventos mundo afora, o autor acredita que o assunto possa trazer prejuízos à escrita de ficção. “O casamento de literatura e política não costuma funcionar bem. Em geral, é a literatura que leva pancadas”, disse Padura, que prefere as abordagens de cunho social.
Além disso, disse ele, quando acontece esse “casamento”, os políticos podem tirar proveito da literatura.
O romancista aponta casos de exceção, como acontece em seu maior best-seller, “O Homem que Amava os Cachorros”, que aborda o assassinato do líder soviético Leon Trótski. “Esse livro aborda a perversão das utopias e não havia como não falar de Josef Stalin, um personagem absolutamente nefasto.”
A ILHA
Na primeira parte da conferência, Padura se dedicou a discorrer sobre a insularidade como aspecto determinante na obra de grandes autores cubanos.
Ele citou o escritor e ensaísta Virgilio Piñera (1912-1979), autor do poema “A Ilha em Peso”, de 1943. É Piñera quem escreve sobre “a maldita circunstância da água por todos os lados”.
Esse “sentimento opressivo da insularidade”, nas palavras de Padura, também pode ser observado na obra do romancista Alejo Carpentier (1904 -1980), especialmente no livro “O Século das Luzes”, de 1962.
O Malecón, famoso calçadão da orla de Havana, foi citado diversas vezes pelo autor cubano. Não é apenas “a fronteira entre a terra e o mar. Não é só uma representação geográfica, mas também orgânica e espiritual na vida cubana”.
Enfrentar ou não o mar, aliás, é um dilema incontornável para os autores cubanos. “Durante dois séculos, dezenas de escritores deixaram o país, voluntariamente ou não. A insularidade literária caiu como um fardo sobre os romancistas e poetas de Cuba”, disse ele, referindo-se não só a questões geográficas, mas também políticas.
Padura, por outro lado, aponta uma vantagem expressiva na vida em um país-ilha. Para ele, prevalece um forte “sentimento de pertencimento”.
“Mesmo no exílio, os escritores do país continuam a escrever sobre Cuba e ao modo cubano”, afirmou Padura.
Segundo o autor, uma das perguntas mais recorrentes dos jornalistas ao longo das suas viagens é: “Por que permanece em Cuba?”
“Esse sentimento de pertencimento me ata ao meu país. Quero continuar perto das minhas lembranças, dos meus amores. Da mureta [em referência ao Malecón] para dentro, apesar das restrições, há um país que me pertence”, diz o romancista. “Escrever sobre Cuba e os cubanos é uma missão fatal aceita por mim. Meus personagens são de Havana, como eu. Não sou outra coisa que não um havanês que escreve.”