O francês Robert Guédiguian tem um olhar voltado para a classe trabalhadora, os desfavorecidos, principalmente de Marselha, cidade portuária e multicultural onde cresceu. Em Gloria Mundi, que ele apresenta na competição do 76º Festival de Veneza, o cineasta pinta um retrato pouco otimista do capitalismo moderno, com a precarização do trabalho, salários insuficientes e diminuição do suporte do Estado. Mas ele negou ser uma obra pessimista, como um jornalista sugeriu numa coletiva de imprensa. “Estou descrevendo o mundo como vejo à minha volta”, disse Guédiguian. “Há tragédia e comédia. Às vezes faço longas mais encorajadores, ou mostrando o mundo como poderia ser. Faço filmes para provocar reações. Mas não sou pessimista. Acredito que as coisas podem mudar.”

Gloria Mundi começa com o nascimento de um bebê, Glória, filha de Mathilda (Anaïs Demoustier) e Nicolas (Robinson Stévenin). Ela trabalha como atendente numa loja popular, com uma chefe que controla até suas idas ao banheiro, ele é motorista do Uber. A mãe de Mathilda, Sylvie (Ariane Ascaride), limpa escritórios de dia e trabalha à noite como faxineira em navios. Seu marido, Richard (Jean-Pierre Darroussin), é motorista de ônibus. Os únicos que estão com a situação financeira um pouco menos apertada são Aurore (Lola Naymark), meia-irmã de Mathilda, e seu marido Bruno (Grégoire Leprince-Ringuet), que têm uma loja e estão para abrir outra de compra de objetos usados de pessoas desesperadas por qualquer dinheiro.

O nascimento de Gloria coincide com a soltura do pai biológico de Mathilda, Daniel (Gérard Meylan), que ficou 20 anos na prisão por assassinato – mas as coisas não são o que parecem. A chegada do bebê também desencadeia uma série de acontecimentos que colocam a vida financeira da família ainda mais em risco – Nicolas, por exemplo, é atacado por taxistas e, sem poder trabalhar, fica sem receber, já que não tem contrato com o aplicativo. O filme é humanista, mas os personagens muitas vezes agem de maneira condenável. “Quis dar um grito de alerta. Era uma reação. Até porque quando um bebê nasce é a esperança de uma vida nova”, disse Guédiguian. “Não queria condenar os personagens, mas o sistema que produz aquelas pessoas. Queria condenar esse sistema extremamente individualista, quase narcisista, em que todos querem ser milionários. Há outros sonhos possíveis e melhores.”

Para Ariane Ascaride, parceira de vida e de cinema de Robert Guédiguian há mais de 40 anos, os personagens do filme não acreditam mais na política. “São pessoas perdidas culturalmente, existencialmente. São sobreviventes que vivem o instante. Esse é o drama que estamos todos vivendo hoje.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.