Uma crítica que se faz à burocracia é que seria “a arte de criar dificuldades para vender as facilidades”. Claro que isso não é totalmente justo nem passível de generalização, mas quem quer que tenha tentado navegar em meio ao cipoal de regras, algumas totalmente descabidas, que regem os sistemas tributário e administrativo brasileiros concordará em parte com a afirmação. Tem-se a sensação de que a exigência anacrônica de carimbos em alguns documentos existe apenas para preservar o protagonismo dos carimbadores ou boicotar aqueles que precisam deles.

É mais comum do que se pensa, infelizmente, a ocorrência de sabotagens em sistemas funcionais apenas para torná-los passíveis de reformas desnecessárias ou inúteis.

Nas recentes eleições municipais tivemos exemplo disso nos comentários sobre as urnas eletrônicas, usadas com sucesso e confiabilidade desde 1994 em eleições vencidas legitimamente por candidatos de diversas correntes ideológicas e partidos políticos, inclusive nosso atual presidente. Isso não impediu que fossem alvo de críticas perniciosas e pessimamente intencionadas, e de um amplo ataque cibernético.

Mas exemplos de ofensas indevidas existem em muitas outras áreas, pois assistimos, à cada véspera de eleições, injúrias e calunias sobre alguns candidatos, alegações sem lastro na realidade cujo único propósito é o descrédito público de oponentes. Tem sido raras as apresentações de propostas sérias e consequentes como plataforma eleitoral: difamar o competidor parece um caminho mais fácil e exige menos preparo. Fazer reparos ao comportamento tem sido mais rápido e viralizante que uma análise aprofundada em sua carta de intenções.

E muitos dos políticos eleitos sabotam toda a população quando desviam ou permitem desviar verbas de saúde, educação, merenda escolar, segurança e outras, para seu enriquecimento pessoal no lugar da melhoria das condições de vida e futuro de seus eleitores.

Mas na vida individual, apelando a antigos ciúmes sabotamos colegas de trabalho, para “não colocar azeitona na empadinha alheia”, prejudicando intencionalmente projetos interessantes que poderiam eventualmente dar mais visibilidade – e talvez algum lucro – às organizações, mesmo que isso pudesse trazer melhores salários a todos. Para não valorizar os demais, preferimos estagnar.

A perseguição ou agressões aos melhores alunos de cada turma escolar tem a mesma etiologia, destruir aqueles que vão bem parece um pouco mais fácil que estudar.

Até pessoas bem intencionadas e amigas praticam sabotagem quando, por exemplo, insistem em que alguém que está em severa restrição alimentar “coma só mais uma fatia de bolo”, ou oferecem bebida alcoólica a quem com absoluta certeza não pode beber. São conhecidos casos de familiares de alcoólatras em tratamento que os visitam levando de presente tortas ou doces feitos com muito rum ou outra bebida, não havendo nisso maldade, apenas um tipo de ignorância que pode levar a tragédias, pois a tendência é testar nos outros a determinação que nos falta.

Por preconceitos arraigados, pessoas físicas e jurídicas deixam de dar oportunidades reais a negros, indígenas, deficientes físicos e mulheres, a definição prévia de que não poderiam ser competentes, de que não tem boa formação educacional, de que são emotivos demais, e qualquer outro defeito inerente à sua condição, garante que sabotemos com a consciência tranquila.

A dúvida sobre a capacidade de dificuldade de atingir a eficiência e eficácia não deixa de constituir uma espécie de autossabotagem, é como se precisássemos destruir no alheio aquilo que não reconhecemos em nós mesmos, que tememos nos faltar. Numa sociedade sem muito apreço pelo aperfeiçoamento por meio de um bom processo educacional, como diz a bela música “tudo parece ser construção e já é ruína”.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.