Além da produção dos beats, que ele faz desde o início da carreira na música há pelo menos 15 anos, o rapper paulistano Rincon Sapiência assumiu um papel mais abrangente de direção executiva no seu novo disco, Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps, já disponível nas plataformas digitais. Seja buscando artistas para parcerias (são várias, entre elas Mano Brown), seja criando e dirigindo a execução dos arranjos e, também, lançando o disco pelo seu novo selo MGoma, o primeiro lançamento em um ano de atividade da empresa.

“Nesse disco, todas as decisões, de tamanhos, texturas e timbres das músicas, tudo passou por mim”, explica o músico. “Eu assumo um protagonismo diferente do Galanga Livre (disco de 2017). Com o tempo a pessoa fica mais experiente. É muito louco escrever algo e ver alguém que canta muito bem cantar o que eu escrevi. Eu arranjo nos teclados, mas ver alguém fazer um groove de guitarra dentro de uma composição harmônica minha… Me senti um maestro. Um técnico que posiciona os jogadores.”

Mundo Manicongo é também fruto das experiências que Rincon acumulou nas portas que Galanga Livre lhe abriu. Viagens a trabalho para diferentes regiões do nordeste – especialmente a Bahia, destaca – e para a Europa, Lisboa e Paris, tendo contato pessoal com artistas muito ligados à diáspora africana, colocaram o músico em um lugar confortável para explorar. “A troca de figurinhas além de São Paulo ajudou muito na concepção do disco”, conta.

“Os contatos começam na internet, mas quando se pisa no lugar, dá para entender tudo o que estava ouvindo em casa”, conta. “Com a tecnologia consigo ter acesso à percussão baiana, mas ir até a Bahia e ver o cara tocando, é outra experiência.”

Duas faixas – Mundo Manicongo e Amor e Calor – surgiram em Lisboa, com o produtor guineense Mazbeats. Rincon estava na Europa trabalhando com uma equipe, e ficou sozinho por um período na capital portuguesa. O “santo bateu” e com algumas noites inspiradas eles combinaram produções instrumentais e versos afiados. “Esse tipo de relação pessoal, internacional, fez toda a diferença nesse disco. Se fosse só pela internet, não haveria o mesmo resultado.”

A missão de Rincon era entregar um disco diferente do primeiro, e pelas músicas do novo trabalho fica claro que ele conseguiu – “mete dança” virou um bordão do rapper nas suas plataformas, e Mundo Manicongo é um álbum que traz em diversas canções o contexto da dança. Mas questões que sempre foram caras ao rapper, como autoafirmação e valorização das culturas negras e periféricas, também aparecem.

“A periferia consegue ter identificação com que a periferia produz, porém, por serem periféricas, as produções acabam ficando numa categoria de subgênero ou num campo de posições não tão relevantes”, reflete. “Considerando que quando a bossa nova surgiu, ela surgiu como algo novo, nem samba, nem jazz, isso impactou e foi muito reverenciado. Quando ouço o bregafunk, isso também é novo, não existe em lugar nenhum do mundo. E não é nem funk nem brega. Mas aí passa despercebido. Parece que os produtores de rap e funk fazem coisas espontâneas, e quem pensa são os outros. Sendo que na verdade a gente pensa para fazer, por mais minimalista que seja às vezes.”

O artista vê a cultura periférica de forma “invisibilizada” em espaços que atraem mais gente – e cita o caso de Kevin O Chris no Lollapalooza 2019. O MC carioca foi convidado pelo rapper americano Post Malone e fez o público do festival urrar com duas de suas canções, dois dos maiores hits do ano. “Por que não um show do Kevin O Chris? Precisava o Post Malone convidar? Isso podia ser vários outros artistas. Nesses momentos, vejo que o nosso processo de reconhecimento demora mais, por conta da origem da música.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.