SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Dentro de campo, uma das melhores gerações de jogadores da história do futebol da Venezuela. Fora, um país conflagrado, mergulhado em uma crise política, econômica e social que resultou em mais de 4 milhões de refugiados.


Pronta para enfrentar a seleção brasileira nesta terça-feira (18) em Salvador pela Copa América, a seleção venezuelana vive o dilema de manter-se imune aos embates políticos do país e, ao mesmo tempo, ver sua equipe servir como uma peça na estratégia de propaganda do ditador Nicolás Maduro e de seu opositor Juan Guaidó.


Em entrevistas, os jogadores evitam declarações que revelem um posicionamento na disputa entre Maduro, que teve a lisura da sua reeleição contestada, e Guaidó, que se autoproclamou presidente e foi reconhecido por países como Brasil e Estados Unidos. Em geral, resumem-se a falar sobre como podem sublimar, dentro de campo, situação delicada do país.


“A gente veio falar de futebol. Todos nós respeitamos a posição política de nossos jogadores. E eles deixam essa posição clara em suas vidas privadas. Mas na seleção há uma única cor representada o nosso país, que é a cor vinho”, disse o técnico Rafael Dudamel.


“Mas é claro que não estamos isentos em relação ao que acontece no nosso país. Temos lá as nossas famílias, sofremos, nos regozijamos. Mas entendemos que, através do futebol, podemos ajudar a construir o país que queremos”, completou.


Dos 23 convocados por ele, apenas dois atuam em times venezuelanos: o goleiro Joel Graterol, do Zamora, e o meia Figuera, jogador do Deportivo La Guaira. Os demais atuam em ligas dos Estados Unidos, de países da Europa como Espanha, Inglaterra e Itália e de outros países da América do Sul, como Colômbia, Chile e Brasil.


Em entrevista à imprensa antes da estreia contra o Peru, partida que terminou com um empate em 0 a 0, o atacante Salomón Rondón afirmou que a crise não afeta o ânimo da equipe dentro de campo.


“Tratamos de mandar uma mensagem positiva para nosso país, que em 90 minutos, não pense em outra coisa que não seja apoiar a seleção”, afirmou Rondón, que atua pelo Newcastle, da Inglaterra, e um dos principais destaques da equipe venezuelana.


Com um comentário na mesma linha, o zagueiro John Chancelor disse que a situação do país o motiva. “Se temos algo positivo para dar a eles [venezuelanos] é a alegria que necessitam neste momento”.


Por outro lado, lamentou que a crise atingisse diretamente os familiares de muitos dos jogadores. E disse que o impacto na equipe é inevitável.


“É difícil porque muitos de nós temos nossas famílias no país e eles vivem coisas que são tão difíceis. Isso nos afeta um pouco o também o futebol. Mas sempre treinamos forte e [focamos em] fazer coisas importantes para tirar isso da cabeça”, afirmou o zagueiro.


Mesmo buscando uma posição de equidistância em relação crise política interna, a seleção venezuelana já foi usada politicamente tanto por Maduro quanto pelo grupo de Guaidó.


Em março deste ano, Dudamel colocou seu cargo à disposição após a publicação de um vídeo que mostra a visita do embaixador Antonio Ecarri, indicado por Guaidó, em visita aos jogadores após a vitória por 3 x 1 contra a Argentina.


Após o episódio, o treinador publicou uma carta na qual pediu desculpas aos torcedores e informou que permanecia no cargo.


Por outro lado, a seleção tem servido como peça de propaganda do ditador Nicolás Maduro, cujo governo tem relação próxima com a cúpula do futebol venezuelano.


No último domingo (15), Maduro foi ao Twitter chamar os jogadores de jovens guerreiros e comemorar o empate contra o Peru na estreia da Copa América no dia anterior: “Sigamos adiante com essa mesma energia e paixão para conquistar a vitória”, disse o ditador.


Dias antes, ele comemorou a vitória da seleção por 3 a 0 contra os Estados Unidos -o país é um de seus principais rivais no campo político, situação que acirrou-se sob a presidência de Donald Trump.


O ministro do Esporte Pedro Infante, que também é vice-presidente da Federação Venezuelana de Futebol, também busca associar o desempenho da seleção em campo ao ditador.


Nesta segunda-feira (17), ele publicou no Twitter fotos do primeiro treino da equipe em Salvador com o slogan “juntos somos mais que 12”. Não se esqueceu de marcar na mensagem o perfil de seu líder político, que há sete anos ocupa o Palácio de Miraflores.