FOLHAPRESS – Henrique é um menino autista com o qual seu pai tem muita dificuldade em lidar. Valério Romão, autor português nascido na França há 44 anos, criou “Autismo” a partir da própria vivência.


Tratar como livro autobiográfico significa reduzi-lo a uma espécie de desabafo bem escrito. É um romance de construção engenhosa, ganhador de prêmios desde que foi lançado em Portugal, em 2012.


Deu origem à trilogia “Paternidades Falhadas”, que prosseguiu com “O da Joana” (2013) e “Cair para Dentro” (2018).


Há mais de um narrador, porém o eixo do romance é Rogério, o pai que descobre o tamanho da sua imaturidade ao ter que conviver com um menino que não fala, faz xixi no chão, dá saltos no mesmo lugar e pouco demonstra afeto. (O autismo é um transtorno de fundo genético que prejudica a comunicação, a socialização e é marcado por comportamentos repetitivos. Atinge em torno de 1% da população.)


Da própria analista ele ouve: “O Rogério não foi educado para esperar e para lidar com a frustração de não poder ou de não ter. Fizeram-lhe sempre um jeitinho pelo qual acabou por ter aquilo que quis ou substitutos muito adequados. Não o educaram para a possibilidade da impossibilidade, e os resultados, neste caso, estão muito à vista: Rogério não suporta o facto de não haver uma forma de resolver o ‘problema Henrique'”.


Um dos caminhos em que, paralelamente e em épocas diferentes, o livro se desenvolve é a busca dos pais por terapias, tratamentos. Romão utiliza um de seus trunfos, que é o humor amargo, para retratar charlatães, incompetentes e procrastinadores.


O caminho mais dolorido é o dos capítulos de título “Um ano, sozinhos”. Marta, a mãe, faz uma escolha arriscada: larga o trabalho para se dedicar apenas a Henrique. Ser mãe-terapeuta 24 horas por dia a destroça: “Eu não tenho nada. O autismo tem tudo.”


Embora a escrita de Romão seja saborosa, o resultado é sombrio. Não há atenuantes do tipo “o autismo me faz uma pessoa melhor” ou “é importante aceitar o autismo”. Há revolta e desalento.


São sete os capítulos “Urgê cias”, assim intitulados porque falta um “n” na porta da unidade em que Henrique é tratado após um atropelamento. A espera da família por alguma notícia é kafkiana e, para quem vive no Brasil, verossímil. Mas a narrativa é verborrágica, tornando-se maçante.


Compreende-se um pouco a opção de Romão quando se chega ao final surpreendente e cruel (mas não explícito, deixando ao leitor a interpretação que preferir) do livro.


Não por acaso, é já nas últimas páginas que Rogério resume numa frase o tormento que demonstrara em cenas anteriores: “A única coisa de que me arrependo é de ter tido este filho que me roubou tudo. Até a mulher”.


Pôr em conflito o amor por Marta e o amor por Henrique é a prova maior da imaturidade de Rogério. São duras as palavras do romance de Romão, mas ele sabe e demonstra que não se faz boa literatura aparando arestas. “Autismo”, assim como o autismo, não é para os fracos.


* Luiz Fernando Vianna é autor de “Meu Menino Vadio – A História de um Garoto Autista e Seu Pai Estranho” (Intrínseca)


AUTISMO


Autor: Valério Romão


Editora: Tinta da China Brasil


Preço: R$ 79 (320 págs.)


Avaliação: muito bom