Franklin de Freitas – Pessoas nas ruas

Na esteira do confronto aberto entre o presidente da República Jair Messias Bolsonaro e o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, um favorável ao isolamento vertical (apenas os grupos de risco) e o outro favorável ao isolamento horizontal da população, Curitiba tem visto nos últimos dias despencar o índice de isolamento social. Na última segunda-feira, por exemplo, apenas 43,64% dos curitibanos estavam respeitando a medida, sendo que desde a última semana o índice de isolamento se mantém abaixo dos 50%. Ao mesmo tempo, diversos municípios do Paraná, inclusive da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), começaram a tomar medidas para a reabertura do comércio, ainda que com restrições. Curitiba mesmo anunciou ontem, por meio do prefeito Rafael Greca, uma a adoção de uma série de iniciativas para que os comerciantes possam retomar as atividades a partir de sexta-feira.

Mas será que este era realmente o momento de retomar as atividades? E quais os possíveis impactos de uma volta precoce à “normalidade” para a crise do coronavírus?

Para responder a esta pergunta, o Bem Paraná entrevistou durante o dia de ontem médicos, principalmente epidemiologistas e infectologistas. E embora a avaliação sobre maior afrouxamento ou rigor nas medidas de isolamento social dependa de uma análise conjuntural de cada localidade, a opinião dos especialistas em saúde pública foi unânime com relação à Curitiba: ainda não é – ou não era – hora de enfraquecer as medidas de isolamento social.

Infectologista da Unimed Laboratório, o médico Jaime Rocha explica que ainda não existe uma vacina ou um medicamento efetivo para tratamento da Covid-19. Por isso, segundo ele, só há uma forma de se conter o crescimento exponencial do número de casos, que é reduzindo a transmissibilidade do vírus. Nesse contexto, explica ainda o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), Roberto Issamu Yosida, o isolamento e distanciamento social são a medida mais recomendada.

“O que evita a contaminação é o distanciamento entre as pessoas. Isso é o fundamental para tudo o que vem na sequência. Outro ponto é que o sistema de saúde tem capacidade para atender todas as outras demandas, mas essa (novo coronavírus) é uma demanda adicional e, se não for feito controle, ela vem de maneira muito rápida e a estrutura de saúde, a capacidade instalada, não suporta a demanda”, diz Yosida. “Toda medida de isolamento, quanto mais eficaz for, no fundo vai parecer que era desnecessária. Então quanto mais funcionar, mais vai parecer que é desnecessária”, complementa ainda o presidente do CRM.

Impactos da redução do isolamento social

Um dos problemas, comentam o Doutor Jaime e a Doutora Marta Fragoso, infectologista da Unimed Curitiba, é que nunca houve, por parte do Poder Público, uma iniciativa coordenada, uníssono e mais incisiva em favor do isolamento social, ao menos até aqui. Ambos avaliam que a capital paranaense adotou as medidas preventivas em tempo adequado, mas que agora os especialistas não estariam mais sendo ouvidos.

“A cidade fechou a tempo, sim, fechou num momento adequado. Mas porque a população, a sociedade civil, ouviu os técnicos e tomou sua decisão. Como não houve pronunciamento claro dos governantes, está acontecendo agora o contrário também. Parece que não está tendo muito caso, a população começa a se sentir mais confiante, e depois vai perceber que houve um grande erro. Nesse momento elas [cidadãos] não estão ouvindo os técnicos, que dizem que não é momento ainda de abrir”, aponta o doutor Jaime.

Os dois infectologistas também afirmam que em mais ou menos duas semanas já deveremos começar a sentir os impactos dessa redução ou relaxamento do isolamento social, considerando o período de incubação do vírus, que varia entre 5 e 14 dias.

“O impacto, sem dúvida, é aumento de casos de infectados e de óbitos, porque as pessoas se expõem mais, se infectam. E há um papel importante do assintomático, que é infectado, não tem sintomas, mas contamina e é um multiplicador efetivo. E aí essas pessoas, geralmente jovens e crianças, levam o vírus para aqueles mais vulneráveis e, claro, a procura por serviços de saúde aumenta, podendo ocorrer o esgotamento”, diz a Dra. Marta.

“Na própria Itália aconteceu isso. A população se isolou, mas depois foi às ruas novamente de forma precoce. Isso infelizmente traz um risco muito grande de explosão de casos nas próximas semanas”, emenda o Dr. Jaime.

Com ‘quarentena reforçada’, Paraná pode evitar quase 60 mil mortes

Com base em estudo publicado pelo Imperial College, renomada instituição de ciência, tecnologia e medicina em Londres, o Bem Paraná, por meio do método de extrapolação, estimou as consequências de 14 possíveis cenários de enfrentamento da pandemia, sendo 11 com ações de mitigação, nos quais havia mais infectados e mais vítimas fatais, e outros três com ações de supressão, ou seja, com o isolamento social mais reforçado – com a imposição de uma quarentena, por exemplo.

No melhor dos cenários, com 75% de toda a população do Paraná em quarentena e testes para todos os pacientes com suspeita, seria possível “achatar” a curva de contágio. Mantendo-se as mortes na proporção de duas por semana para cada milhão de habitantes, ao final da crise em saúde pública o estado teria perdido cerca de 2,4 mil vidas para a Covid-19, com ainda um total de 13,5 mil pacientes passando pelos hospitais e, no pico da pandemia, havendo uma demanda para 3,9 mil leitos ao mesmo tempo.

O pior cenário, por outro lado, considera que ninguém ficará em isolamento e os testes não serão feitos na medida necessária, o que permitiria que cada paciente contaminado tivesse contato com um maior número de pessoas. Nestas condições haveria até 10,2 milhões de contaminados no Paraná, o equivalente a 88% de toda a população, e o número de mortos poderia superar os 62 mil, com mais de 333 mil pessoas necessitando de atendimento nos hospitais do estado por causa do coronavírus.

Já cenários de quarentena apenas para os idosos, como defende o Presidente da República, o número de mortes variaria entre 14,6 mil e 28,5 mil no Paraná, a depender da taxa de transmissão e das medidas de saúde pública.

 A importância de achatar a curva de contágio

Os infectologistas Jaime Rocha e Marta Fragoso explicam ainda que o isolamento social é importante para achatar a curva de contágio da Covid-19, evitando assim um pico mais intenso da doença e distribuindo os casos ao longo de um período maior de tempo. Mas por que isso é tão importante? A explicação é: para se evitar o colapso do sistema de saúde. Em outros países, os casos de Covid-19 acabaram saturando o sistema, deixando pessoas que necessitavam de atendimento desassistidas por não haver mais espaço em hospitais, UTIs, pela falta de respiradores.

“Quando falamos em óbitos, não é só de Covid, que, ainda bem, tem letalidade baixa. Mas com um grande núimero de casos em um período curto de tempo, mesmo um porcentual baixo se traduz em um grande número de mortes”, aponta o doutor Jaime. “Com isolamento social, teremos mais tempo para atender as pessoas. Os nossos hospitais, que estão sempre cheios, se encherem ainda mais por Covid, vai ter aumento da mortalidade por outras doenças. A pessoa vai infartar, bater o carro, ter um derrame, e não vai ter onde ser atendido”.

Já a Doutora Marta comenta que Curitiba havia tomado no tempo certo as medidas para controle da Covid-19, o que se reflete na melhor absorção da demanda. “Está aumentando o número de contaminados, mas o número de óbitos ainda não é significativo. Então essa prática deve continuar. É uma infecção que vai ocorrer com o tempo e é importante retardar o número de expostos porque não temos como oferecer medicamentos. Com o isolamento, ganhamos tempo para até conseguir ter uma vacina, tratamentos efetivos.”

“Países com menos restrição tinham mais capacidade de testar a população”

Presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), o médico Roberto Issamu Yosida comenta que os países com menos restrição na circulação de pessoas, como a Coreia do Sul, possuem grande capacidade para testar a população na tentativa de identificar e isolar aqueles que foram efetivamente infectados pelo novo coronavírus. No Brasil, porém, o grande problema é que não há tantos testes disponíveis, tanto que apenas os casos mais graves de Sìndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) estão sendo testados em Curitiba.

“Hoje, no mundo, existe uma limitação de tudo: tanto de exame como de equipamentos. Independente da riqueza do país, existe uma limitação de EPIs, capacidade instalada dos serviços de saúde, testes. O que se pode fazer é o que tem sido feito por todos os países. Mas existe essa limitação [de insumos e produtos], que é do mundo todo.”

 “Se não optar pela saúde, talvez prejudique ainda mais a economia”

Por fim, o infectologista Jaime Rocha aponta que uma retomada precoce da atividade econômica terá, inevitavelmente, reflexos no âmbito da saúde pública. Neste momento, no entanto, ele destaca a importância de se optar em focar na questão da saúde, sob pena de lá na frente, inclusive, se prejudicar ainda mais a economia.

“Achar um meio-termo [para o isolamento social] é importante, os técnicos também querem abrir sua vida novamente. Mas existem análises mostrando que se não atender a saúde nesse momento, você provavelmente também não salva o econômico. Ao ter um número grande de pessoas de todas as idades indo a óbito, outras pessoas ficam com medo, cai a produtividade, tem dificuldade depois para conseguir mão de obra, várias outras coisas. Então se não optar agora pela área da saúde, talvez prejudique ainda mais os dois lados lá na frente.”