Silêncio é violência. Manter-se calado, deixando de voltar num pleito importante para as políticas públicas no Brasil que fazem referência às questões do gênero mulher e ligadas à saúde sexual desse público, é uma forma de se colocar numa posição de violência. Essa é minha interpretação em relação à votação, na última semana, de um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discriminação contra mulheres e meninas.

A atitude das autoridades que representam o Brasil caminha na contramão do avanço e progresso, por escolher ficar de fora de uma resolução que busca compreender parâmetros para colocar um ponto final no preconceito. A iniciativa proposta pelo México orienta os Estados a tomarem medidas para solucionar o problema, incluindo possíveis impactos da pandemia do Coronavírus sobre as mulheres, e teve adesão da comunidade internacional. Exceto do Brasil e de outras nações anti progressistas que, mais uma vez, nos ensurdecem com sua manifestação de silêncio.

Vale lembrar de um episódio anterior, na fase de negociações, na qual a representação brasileira alinhou-se a governantes ultraconservadoras como Egito, Paquistão e Arábia Saudita. Ao lado da ala antiliberal, os membros do Brasil sugeriram mudanças em cinco emendas ao relatório final, que suprimiram as orientações para que os países reconheçam jovens defensoras de direitos humanos; promovam a educação sexual universal; garantam os direitos reprodutivos; assim como o acesso aos serviços e à informação sobre saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia da Covid-19.

Agora, no momento da votação, o Brasil aliou-se a Líbia, Congo e Afeganistão, entre outros países ultraconservadores em questões de gênero, que preferiram suprimir sua voz. Nesse contexto, o recolhimento é um comportamento que remete à escolha dos brasileiros de abolir, ou seja, invalidar políticas em prol da saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

Restringir uma população de ter acesso a um direito que é bem fundamentado por diversas organizações como a Word Association For Sexual Health (WAS) é uma maneira de privar as pessoas de terem acesso à informação, à orientação sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, e a preservativos e anticoncepcionais. Os métodos contraceptivos são um direito adquirido pelas mulheres que está relacionado à liberdade de expressão, à medida que lhes permite adotar o planejamento familiar.

A postura dos Brasil, nesse sentido é um retrocesso. Em 2020 faz 60 anos que o uso da primeira pílula anticoncepcional foi aprovado nos EUA. O medicamento revolucionou hábitos sexuais e ajudou a consolidar a mulher no mercado de trabalho. No Brasil, foi recebido com forte resistência a passou a ser comercializado nas farmácias apenas em 1962. A princípio, apenas casadas – e com autorização do marido – podiam adquirir o remédio. E essa resistência, cultural e religiosa, parece ainda estar instalada por aqui.

Essa falta de cuidado e de empatia, de se colocar no lugar do público feminino, concedendo-lhe o direito de escolha, também pode ser encarada como um preconceito estrutural que impede as pessoas a terem acesso à medicina preventiva. É grande a gravidade desse fator, que terá um ônus ao país, sobretudo às brasileiras, que vão sentir na pele a dor causada pelo silêncio das nossas autoridades, não apenas no quesito financeiro.

Como nação, a postura dos nossos representantes deixa uma mancha na bandeira do Brasil diante os demais países, principalmente daqueles progressistas. Que legado estamos deixando no cenário internacional se privando de votar numa questão que diz respeito aos direitos humanos das mulheres? Que imagem estamos construindo lá fora?

Elas merecem ter a melhor informação sobre a anticoncepção, às doenças transmitidas em razão da atividade sexual, além de uma série de questões que envolvem a saúde sexual da mulher. A atitude de fechar os olhos e a boca, se omitindo do pleito, mostra que vivemos num obscurantismo.

A etimologia dessa palavra está relacionada à ignorância, no seu sentido mais pejorativo. A postura brasileira é reflexo de uma ignorância com origem moralizante, ideológica e não pautada em evidências científicas ou nas necessidades básicas da nossa população. Ao passo que os outros países avançam, nós nos abstemos de votar, mesmo tendo sugerido ementas em outra ocasião. Acredito que se esse cenário for concretizado, num futuro próximo, teremos um crescimento de doenças, sem falar em questões relacionadas aos direitos humanos, dignidade e igualdade de gênero. E retroceder nesse sentido é um crime contra nossas mulheres!

Alessandra Diehl é psiquiatra e especialista em sexualidade