O esporte do Brasil vive um momento de grande contraste. Ao mesmo tempo em que sonha em ser potência internacional, apresenta cenários de subdesenvolvimento. Na semana em que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) enviou um contêiner com 700 kg de papel ao Comitê Olímpico Internacional (COI) em defesa da candidatura aos Jogos de 2016, os principais clubes do País se reuniam para protestar: apesar de terem formado 77% dos atletas que estiveram na Olimpíada de Pequim, não recebem um tostão das entidades que comandam o esporte. É possível pensar em Brasil-Potência, enquanto a judoca Ketleyn Quadros, dona da primeira medalha olímpica individual do País entre as mulheres, vive de ajuda de custo e um bicampeão mundial como o ginasta Diego Hypólito encarou durante uma semana a possibilidade de “treinar de favor”?

A Agência Estado abriu um debate com ex-atletas e dirigentes. Quem já defendeu o Brasil em competições internacionais acredita que há uma inversão de valores. “Disseram que o Pan (de 2007, no Rio) faria o esporte crescer, mas o que vemos agora? Para mim, nada mudou”, questiona Aurélio Miguel, ouro no judô na Olimpíada de Seul, em 1988. “Acho que antes deveria haver investimento para a criação de centros de excelência como o Projeto Futuro, que formou atletas como a Maurren Maggi no atletismo e o Thiago Camilo no judô. Para que fazer Olimpíada, gastar uma fábula para fazer do país vitrine se não tivermos história para mostrar?”

Ana Moser, medalha de bronze no vôlei feminino na Olimpíada de Atlanta, em 1996, concorda. “O surgimento de um atleta hoje depende de sorte, de coincidência”, afirma a ex-jogadora. “A Olimpíada, bem ou mal, será o retrato do nosso País e qual é a cara de País que vamos mostrar? Olimpíada para quê? Para quem?”, se pergunta. “Somos um Brasil que não pratica esporte mas que o vê pela tevê. Eu gostaria de uma Olimpíada aqui, mas para celebrar o desenvolvimento do esporte de verdade.”

Fernando Meligeni, semifinalista no tênis masculino dos Jogos de Atlanta, em 96, é outro que acha que o esporte deveria priorizar seus problemas internos.”O esporte é tratado com o jeitinho brasileiro. Enquanto a gente (atleta) for olhado assim, vamos depender que surja um fenômeno como o Guga”, disse o ex-tenista.

José Antônio Martins Fernandes, presidente da Federação Paulista de Atletismo, diz que não são só os clubes que estão desamparados. “Ninguém se lembra que as federações também não têm verba. O dinheiro da Lei Agnelo/Piva não chega até nós. Eles (atletas) precisam começar a competir e isso acontece no nível estadual”, revelou. Segundo o dirigente, hoje o esporte escolar não substitui o dos estados. “A USP, maior universidade do Brasil, sequer tem pista de atletismo. Nos Estados Unidos, qualquer ‘high school’ (escola de segundo grau) tem um complexo esportivo completo. Como o Brasil quer ser potência nessas condições?”

Nossos campeões olímpicos não ignoram a realidade. O nadador César Cielo ressaltou que sua conquista nos 50 metros livre nos Jogos de Pequim, no ano passado, não foi resultado de uma estrutura esportiva que favoreceu seu desenvolvimento, mas do esforço conjunto da família, de seu clube e poucos patrocinadores. Maurren Maggi usou sua vitória no salto em distância para fazer um apelo em favor dos colegas com quem treinou antes da conquista na China. “A pista de atletismo do Ibirapuera precisa de reforma. Está sucateada”, avisou – o pedido será atendido a partir do mês que vem.

OUTRO LADO – Se para muitos atletas e dirigentes há um profundo contraste entre a realidade do esporte nacional e a meta de transformar o País em uma potência olímpica com a realização de uma edição dos Jogos no Rio, para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e o Ministério do Esporte não há conflito. Ambos alegam que a Olimpíada poderia acelerar o crescimento do esporte, embora não tenha sido isso o que foi visto após o Pan de 2007.

O COB defende que o esporte brasileiro vem progredindo a cada Olimpíada, então não há porque não pensar que no futuro o País possa virar uma potência. “A evolução do esporte brasileiro após o repasse das verbas da Lei Agnelo/Piva é evidente. Em Pequim (2008), o Brasil disputou 41 finais, em Atenas (2004) foram 30 e em Sydney (2000), 22. Isto representa um aumento de 36% em relação a Atenas e de 86% em relação a Sydney”, disse o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman por meio de sua assessoria. “Nas disputas diretas pela medalha de ouro, o Brasil registrou um aumento de 82,35% em relação a Atenas. Em Atenas foram 17 disputas e em Pequim foram 31.”

O ministro do Esporte, Orlando Silva, acha que a realização de uma Olimpíada no País pode servir de alavanca para acelerar o desenvolvimento do esporte nacional. “Acho que não há contradição entre a realidade atual e a proposta de fazer do Brasil potência olímpica. Os Jogos podem dar mais força à agenda esportiva”, acredita.

Hoje, segundo Orlando Silva, o governo federal dá apoio ao esporte como nenhuma outra administração fez. Conta com o Bolsa Atleta, a lei de Incentivo ao Esporte e o Projeto Segundo Tempo, mas, para que o Brasil seja a potência que tanto sonha, também é necessário que outras esferas também se mobilizem. “Só com a ação do governo federal, clubes e atletas é impossível. Onde está o Bolsa Atleta estadual ou o municipal? Acho que é preciso abrir o leque de discussões porque os estados e municípios estão na base do desenvolvimento”, afirmou o ministro.