O Supremo Tribunal Federal (STF) antecipou para 7 de abril o julgamento de uma ação que pode reduzir o prazo de patentes e impactar mercados gigantes, como a indústria farmacêutica, química e de biotecnologia.

Marcada inicialmente para 26 de maio, a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529 foi adiantada depois que o procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou pedido de liminar ao processo, que avalia a constitucionalidade de um artigo da Lei de Propriedade Industrial.

De acordo com a lei de 1996, patentes têm prazo de 15 anos a 20 anos, tempo contado a partir da data do pedido feito ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Depois desse período, podem ser feitas “cópias” de medicamentos, equipamentos e outras invenções livremente.

A polêmica, porém, está em torno de uma regra da mesma lei que determina que o prazo de vigência da patente não será inferior a dez anos, no caso de invenções, e de sete anos para modelos de utilidade (atualizações de algo já existente), prazo contado a partir da concessão pelo INPI. Como não há prazo para que o instituto conceda a patente, não há como saber quando a proteção cairá e muitas invenções acabam protegidas para além de duas décadas, prazo padrão no resto do mundo.

No pedido de liminar, Aras cita pelo menos 74 medicamentos que tiveram prorrogação de prazo com fundamento nesse dispositivo da lei, como medicamentos para o tratamento de câncer, HIV, diabetes e hepatites virais. É o caso, por exemplo, do medicamento Victoza (liraglutida), utilizado no tratamento de diabetes tipo 2. O pedido de patente foi feito em 1997, mas a concessão pelo INPI só se deu 20 anos depois, em 2017. Com a regra que determina os 10 anos de vigência a partir da concessão, a patente desse medicamento só cairá em 2027.

Aras cita a atual situação de crise sanitária causada pela covid-19 e afirma que essa regra “impacta diretamente no direito fundamental à saúde, haja vista que, enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficará impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes”.

O pedido cita ainda estudo elaborado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que mostra que, entre 2014 e 2018, o governo federal gastou R$ 10,6 bilhões (ou cerca de R$ 1,9 bilhão por ano) com apenas nove medicamentos que teriam a patente expirada entre 2010 e 2019, mas que tiveram prorrogações de até oito anos por parte do INPI com base na regra de vigência mínima.

Versões

Quem defende a regra alega que há uma demora muito grande na análise dos pedidos pelo INPI – hoje, em média, de cinco anos, mas que, em alguns casos, já chegou a 15 ou 20 anos. Com isso, sem o artigo que determina prazo mínimo de vigência, sobraria pouco tempo para que a invenção esteja protegida pelas leis de propriedade industrial.

Já o lado que questiona a constitucionalidade do artigo – como a própria PGR e mesmo representantes da indústria farmacêutica – também cita a demora nas análises do INPI como um fator de incerteza. “A Constituição diz que o inventor tem direito a patente, mas por prazo determinado. O artigo não se coaduna com a Constituição, porque o prazo não fica determinado”, afirma o presidente do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, que representa farmacêuticas de capital nacional como Aché, Eurofarma e União Química.

Outro argumento pela manutenção da regra de prazo mínimo de vigência é que a proteção efetiva da invenção só se dá a partir da concessão efetiva pelo INPI. Para Gustavo Svensson, diretor jurídico do Grupo NC, dono da EMS, maior produtora de genéricos do País, não é isso o que ocorre na prática.

Ele ressalta que a decisão pode ter um efeito econômico importante para o País, inclusive em medicamentos relacionados ao tratamento de covid-19, como antivirais e anticoagulantes. Por lei, um medicamento genérico tem de ser vendido com preço 35% menor do que o do original e, segundo Svensson , a média é de um valor 65% menor. “Espero que o Brasil dê uma resposta à altura do país que vivemos hoje, que é um país de renda baixa.”

Mudança seria ‘desincentivo’, diz entidade

Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Propriedade Industrial (ABPI), Gabriel Leonardos, a derrubada do artigo seria um “tremendo desincentivo” a investimentos estrangeiros e a pesquisas e poderia prejudicar questões como patentes relacionadas à tecnologia 5G. “Se você é empresário e sabe que, na prática, só vai ter uma exclusividade por cinco a oito anos, você não vai querer investir”, afirma.

Leonardos lembra que a regra está em vigor desde 1996 e diz que será uma “surpresa” se for declarada a inconstitucionalidade da lei. “A Constituição Federal não fala de prazo de vigência de patentes, isso não é matéria constitucional.”

Para a ABPI, o julgamento coloca em xeque a eficácia do INPI. A associação defende a autonomia financeira do instituto. “O INPI arrecada R$ 500 milhões por ano, pagos por quem pede patente, e tem um orçamento de apenas um quarto disso. Se você retirar o prazo mínimo de vigência e não der ao INPI instrumentos para examinar as patentes, será o pior dos mundos.”

Procurado, o INPI disse que, com relação à Lei da Propriedade Industrial, “como órgão do Executivo, apenas aplica o determinado em lei”. Questionado sobre a acusação de demora na análise nas patentes, disse que “em 2020, o tempo médio de decisão de pedidos de patente foi de 5,1 anos, contados a partir do pedido de exame”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.