Normalmente – embora haja algumas exceções notáveis – o ocupante de cargo público sente-se um aristocrata com direito a todos os badulaques materiais e imateriais desta condição. Todas as verbas e todos os elogios são devidos, e até insuficientes para sua grandeza.

O direito de ofender, humilhar, jactar-se de seus privilégios parece inerente a tal fidalguia, sendo dever de todos os demais tolerar, preferencialmente ajoelhados, esta prerrogativa.

Em função disso, prospera na esfera privada uma indústria de concessão de títulos, em que o cidadão faz uma nada módica contribuição e passa a ser “comendador fulano de tal” ou “cavaleiro da ordem de…”.

Há países em que a titulação acadêmica quase faz parte do nome da pessoa, é o caso por exemplo dos Estados Unidos onde Doctor, PHD, MD, são adicionados normalmente à assinatura e apresentação. Aqui há uma saudável informalidade nessa questão, alguém apresentar-se gratuitamente como “doutor sicrano” soa pretensioso, mas é mais comum do que se pensa.

A titulação acadêmica é muito mais do que um mero apêndice curricular, outorgada por instituições sérias e qualificadas para isto, representa o cumprimento de uma série de requisitos: aprovação nas disciplinas do curso, apresentação de um trabalho escrito segundo normas estritas, e defesa e aprovação deste trabalho perante uma banca de professores qualificados na área.  

A observar: na fase em que desmerecemos as instituições de ensino superior, valorizarmos tanto os títulos por ela concedidos, a ponto de mentir que os possuímos.

Quando o intelectual, jurista e economista alemão Max Weber descreveu autoridade, normalmente  a utilizou no sentido de dominação legitimada, o que parece ser o desejo de todo aquele que utiliza demasiadamente seus títulos: “No sentido geral de poder e, portanto, da possibilidade de impor a própria vontade sobre a conduta de outros, a dominação pode apresentar-se sob as mais diversas formas. De um lado, a dominação mediante uma constelação de interesses e do outro mediante a autoridade, implicando poder de mando e dever de obediência.”

Ou seja, a utilização dos títulos (universitários ou não) parece trazer imediatamente a capacidade de se fazer obedecer, e que esta obediência seja de certa forma voluntária, num reconhecimento implícito das qualidades superiores do portador. O título seria uma espécie de aval àquele que o ostenta, dando-lhe capacidade em todos os setores; por exemplo, tem sido muito comum um dirigente político opinar sobre saúde, prescrevendo remédios sem ter conhecimento médico, comportamentos sem possuir noções sociológicas, realizando ilações sobre virtudes desejáveis, apenas apoiado no cargo que exerce, como se este o habilitasse instantaneamente à sapiência suprema. 

Rótulos referentes à monarquia parecem ter um poder mágico, talvez resquícios da infância onde ser uma princesa ou um conde eram aspiração máxima de crianças sob estímulo de suas famílias. O Brasil é oficialmente uma República há mais de cento e trinta anos, e no entanto convivemos com uma nostalgia invencível da nobreza e de seus símbolos, que podem ser vistos nas mesuras exageradas nos rituais dos três Poderes e os privilégios excessivos de seus luminares, ou mesmo no ressurgimento das ideias monarquistas como mais adequadas que as republicanas.

Enquanto isso, alguns títulos como “cientista”, “professor”, “pesquisador” e muitos outros estão cada vez mais desvalorizados, pois se referem a trabalho sério, dependentes de estudo e dedicação, não vindos por prestidigitação ou herança miraculosa.

É como se a verdadeira formação, profissional ou pessoal, pudesse ser adquirida em mensagens de WhatsApp, no exercício de opiniões ouvidas aqui e ali, no voluntarismo de que algo seja verdadeiro pois advindo de algum ídolo.

Desprezando escolas, emitindo máximas absurdas de conhecimento pela dor, desvalorizando o saber dos docentes, será difícil o desenvolvimento sustentável de um país e seu povo.

 

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.